Relembrando 2003, um ano terrível.

Adriano Cintra
13 min readMar 14, 2020

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Eu dirigindo pela Raposo Tavares voltando pra casa um domingo à noite em 2003.

Publicado originalmente em 13/setembro/2011

Terça-feira, Abril 08, 2003

Imagine acordar e ficar feliz de ir ao banco pagar contas. Uau! Fui buscar um cheque que voltou no Drogão. Emocionante, a mulher não encontrava o envelope com meu cheque, ainda por cima tive que pagar quinze reais de “taxas de devolução”. Ué, indaguei à moça, isso eu já não paguei no banco? Mas tem que pagar pra eles também, pronto, mais um motivo de felicidade. Depois discuti com minha mãe, não, não quero mais ser empregadinho, não quero mais ter patrãozinho, horinha de almoço. “Ouvir isso de você me preocupa muito”, escutei ela do outro lado. Como assim? O que ela esperava de mim? Que um dia eu me casasse, comprasse um apartamento em Moema, fizesse um plano de previdência privada no Bradesco Saúde e Vida e voltasse a frequentar a Ivernada do Biriça? Hmm. Depois levei o carro amaldiçoado pra remendar lá no Osmar, conhece o Osmar? Ali na Bela Vista, Rua Santo Antônio. O Osmar é dez, campeão. Deixei o carro lá e fui a pé pro centro conversar com a Cíntia da Bizarre. Ela é dez, campeã também. Ela pendurou na parede da loja um disco chamado “O Sapatão”, o Iano que deu pra ela. Na capa, um cabra da peste apontando pra um sapato do tamanho de uma cadeira, olhando feio pra uma mulher de biquini, toda sem graça, ele meio que perguntando “O que significa isso?” e ela “Hmmm, tsc…”. Sapatão. O dia esteve feio e quente, greve de ônibus, metrô lotado. Fui pra Moóca encontrar a Debbie, que está deprê por N motivos. Ene de Naldinho motivos, ok, que coisa sem graça. “De quem é essa mulher, quem é o dono dessa porcaria?” A Debs não é mais de ninguém e ela está tentando lidar com isso da melhor maneira possível, mas como é foda ver os amigos chorarem de amor. Eu tenho chorado de amor ultimamente, a vida às vezes me dá vontade de apertar o FF pra passar mais rápido. Isso me faz lembrar que hoje eu não bebi. Ainda. Na volta, desci na praça da Sé, não queria voltar pra casa aquela hora, estava desconfortável. Entrei na Catedral da Sé, parei na frente do altar e esperei acontecer alguma coisa. Silêncio, aquela expectativa. Por um momento achei que ia sentir algo mas passou. Mais um pouco e comecei a achar que alguém ia perguntar o que eu estava fazendo ali e no fim eu acabei me perguntando o que fazia ali. Ah, vá. Olhei em volta, não achei nada demais, fui embora rapidinho. Passando na praça da Liberdade eu vi que dia 12 agora vai ter Hanamatsuri, a comemoração de aniversário do Buda. Hmm. Quem sabe se eu não estiver com muita ressaca eu passo lá pra jogar chá na estatuazinha do Buda e fazer um pedido. “Quero que o nariz do Rodrigo fique preto e caia.” Não presta pedir essas coisas, acho. Na verdade eu preferia ganhar um apartamento na Galvão Bueno. Será que o Buda me concede esse pedido? Regula micharia pro chegado não. Estou com alergia dos gatos, vou dormir, meu olho esquerdo está do tamanho de um limão galego.

Minhas gatas se odeiam. Yoko e Alice. Yoko rosna como um lince, Alice provoca até levar umas patadas na orelha. Alice escala minhas pernas e morde meu nariz, ronrona e eu fico com coceira onde ela unhou. Yoko grunhe de raiva. Estou com preguiça de dormir.

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Terça-feira, Abril 22, 2003

Queria um emprego de meio período aqui perto de casa. Levando isso em consideração, eu poderia ser:

frentista do posto ALE ali na divisa de Jandira com Barueri

chapeiro, caixa ou atendente na padaria que fica de frente pro residencial da Bianca Exótica (aliás, ia ser incrível servir um carioca pra Bia todo dia de manhã antes dela ir pra escola)

vendedor da pet shop que fica perto da casa do Jair Rodrigues

porteiro do meu condomínio

vendedor de gás

entregador de água

recepcionista da academia ali da estrada

motorista do carro de escolta do Forest Hills

funcionário da Brico Bread (não ia prestar, eu ia engordar mais quinze quilos de tantos pãezinhos) .

Quantas opções.

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Sexta-feira, Maio 23, 2003:

Bom, choveu pedra. Acabou a luz. Os cachorros mijaram dentro de casa. Pus jornal. Eles espalharam jornal pela casa. Limpei. Pus a rede no alpendre (palavrinha roceira), pus bateria no cd portátil, peguei o Destiny Street pra ouvir, caramba Richard Hell, tifudê, tu dava um pau bonito no Johnny Thunders. Fiquei olhando a rua, cheia de granizo, tudo meio escuro por causa da tempestade. Gata Nico pulou na rede, se aninhou no meu colo e ficou ronronando. Fui fazer carinho, ela começou a me lamber. Áspero, estranho. Tirei o dedo, ela ficou puta e puxou de volta, como eu ousava recusar um banho? Gatos são estranhos.
Puxei o Sexus de baixo da rede e reli algumas páginas. Gosto do velho egocêntrico, azedo, mau humorado. Ele tinha um desprezo apaixonante tão grande pelos seres humanos que eu me sinto a própria Poliana.
“… Com a cabeça aninhada no colo de Mara, como uma víbora inchada, as palavras ecoavam pela boca do Dr. Kronski como gás escapado por uma válvula entreaberta. … A própria pele era apenas um saco em que se amontoavam em desordem coleções um tanto confusas de ossos, músculos, tendões, sangue, gorduras, linfa, bílis, urina, fezes e assim por diante. Os germes borbulhavam em círculos dentro deste fedorento saco de tripas; os germes acabariam vencendo, por mais brilhantemente que funcionasse aquela gaiola de massa cinzenta chamada cérebro. … A imagem de Kronski encolhido como um bode enfermo me parecia distintamente cômica. Tinha engolido muitas latas vazias. Tinha-se alimentado de peças de automóvel imprestáveis. Era um cemitério ambulante de dados e cifras. Estava morrendo de indigestão estatística.”
Céus. Me levantei da rede, indignado. Filho da puta. Fervi água, fiz um capuccino, cremoso, quente, doce, achocolatado, cafeinado. Não adiantou. Não conseguia parar de pensar. Brinquei com os cachorros. Toquei piano. Acendi uma vela, queimei a mão, toquei violão. Andei na chuva, peguei pedras de granizo na grama e joguei na piscina. Bateu um vento assustador, entortou a palmeira, achei que fosse quebrar. Entrei em casa, a luz voltou.
Eu tenho um pequeno problema. Eu sou obsessivo compulsivo. Tudo que eu me disponho a fazer eu faço demais. Quando eu fico indignado eu fico particularmente insuportável. Com licença.
O que dizer de alguém que se expõe pictoricamente pela internet, cuja maior ambição parece ser receber elogios de desconhecidos por fotos notadamente posadas em ângulos estrategicamente arquitetados para se parecer algo que não é e que diz que não é nada disso que está procurando? Nada contra se expor. Nadíssima, afinal eu tenho um blog, falo das coisas que passam pela minha cabeça pra qualquer um ler. Fico indignado desse recalquinho. Como se alguém pusesse num fotolog as fotos que tirou jogado no sofá de casa com alguma pretensão filosófica superior, parte de um preocupação espiritual complexa e nobre. Protesto performance. Sei, sei. Isso só me faz lembrar que benza deus, eu já saí da escola faz tempo. Não tenho que aturar patricinha frustrada desfilando roupa do shopping validando todas as teorias sádicas que volta e meia rebatem na minha cachola. Sofrer em público, e mais, sofrer ao vivo em público via internet, parece fazer essas pessoas mais reais do que são. Preenche o vazio que são suas vidas, permeadas por letras de músicas manjadas, como se a trilha sonora fizesse alguma diferença em sua inexpressiva mediocridade. Que me importa se a vaca ouve Smiths ou Richard Hell? Que me importa se ela vai cortar os pulsos em forma de coração e o máximo que vai conseguir pensar é em parafrasear o Bukowsky ou o Lou Reed? No fim, pouco me importa. Se a vaca conseguir servir de exemplo em toda sua patética tristeza já tá fazendo muito. Por detrás daquela maquiagem toda tem um franguinho sem penas, sem cabeça, com a pele empipocada, escorrendo água amarela e sangue, triste, sozinho e muito pouco apetitoso. Não serve nem pra fazer uma canja meia boca.

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Terça-feira, Junho 24, 2003

Hoje estamos bem melhor, ela rotulou numa foto. Era uma pb, com margens amareladas. Estavam os dois na entrada de uma casa, havia um jardim com flores. Talvez fosse na casa dos pais dele em Bragança. Devia estar frio, ela estava de gorro, ele de luvas. A careca nem dava sinal de existência, era uma cabeleira e tanto. Fiquei com um pouco de inveja, mas logo esqueci. Os olhares, ingênuos. Se eu esquecesse o que hoje sei a respeito do passado deles não sei se identificaria aquele brilho. Então era tudo verdade. Não podia ser diferente. Ela ia mesmo ser freira. E ele fugiu do pai fazendeiro engenheiro agrônomo pra fotografar na cidade e acabou morando de favor na TFP, fingindo achar tudo aquilo natural. Tudo se encaixa perfeitamente, desde a legenda, o amarelado da foto, a urgência de explicitar a situação atual. Eu não sei se sou capaz, estou fazendo de tudo para poder ter o direito um dia de sentir isso, mas ao mesmo tempo não sei se desejo envelhecer até lá. Às vezes acho que isso tudo não passa de um teste. Que eu vou indo muito mal, diga-se de passagem, logo vão mandar eu desistir de tentar, ei garoto, você estragou tudo. Ah, vá, me erra. Posso estar delirando de febre agora, pode ser SARS, pode ser o influenza, quem sabe se eu tivesse tomado a vacina não estaria padecendo dessas vertigens morais agora nesse momento, quem se importa? Whatever. Tomei meu sachezinho hepatotóxico. A cama está gelada, hoje estou sozinho por aqui. Merda. Vou colocar as gatas por lá pra dar uma esquentada, quem sabe eu consiga deitar sem ter um choque térmico. O aquecedor derreteu a tomada, tenho medo de atear fogo na casa. E hoje eu senti falta de meus bichos queridos, cheguei e abracei o Hugo, meu boxer retardado, peguei a Yoko no colo, a vira latas que eu tirei da estrada debaixo da chuva, dei biscoitos pro Joaquim, o whippet misturado com vira lata que engordou depois de castrado. Meu quarto, nosso quarto, a cama, eu quero morrer nessa cama, desaparecer nas profundezas dela, pular no fofo de edredons brancos e sentir cair, cair, nossos travesseiros aparando meu sono leve, pontuado de latidos de cachorros e estalos assustadores de madeira. Acordar num sábado ensolarado repleto de expectativas. Eu quero fazer jus a esse álbum de fotos, honrar toda a existência registrada ali, cada foto e cada legenda que ela escreveu estão marcadas em minha alma e nada que eu tente fazer vai mudar isso.

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Segunda-feira, Junho 30, 2003:

Uh, que frio. Vida de preto é difícil, vida de pobre é uma tristeza e viajar de Cometa para beuzônte é a opção mais mendiga que alguém pode ter. Oito horas dentro de um frigorífico guiado por um símio anfetaminado. Motorista, será que o senhor podia aumentar a temperatura do ar condicionado? O, sô, qui tá iscrít´dizôit´ graus, lá fór´ tá marrcân´ dôz´graus, siêu dzligá ess´trêm qui vai fcá friiio dmáis. Bom, vai ver que exista alguma lei da física que eu desconheça, mas a sensação térmica dentro do ôns era de oito graus. Resolvi não discutir, tirei todas as malhas que eu tinha na mala e me enrolei como fazem os sem teto embaixo dos viadutos da 23 de maio. Chegamos em belzônte às duas da manhã de sábado. Nos aventuramos pelas adjacências da rodoviária atrás de uma farmácia. Nem vou perder meu tempo reclamando que o Visa Electron não passou e que a atendente esqueceu de me vender o cartão telefônico apesar de eu ter pedido umas oito vezes. Okidoki. Voltamos pro hotel e liguei pra Raphael. Estava num lugar chamado Josefine (ou Josefiné, não sei ao certo), fui eu e Jonas lá encontrar com ele. Do lado do Café com Letras, a meca dos descolés universitaires, ou seja, o lugar mais tenebroso que eu já fui. Chegamos na porta, crianças mendigas vendedoras de chiclete tentaram nos vender os flyers da festa. Nú, sô, co´iss qui c´pág´déiz d´entrád. Sap: com flyer, cinco de consumação, dez de entrada. Eles queriam nos vender a bobagem por três reais, ahn. Não, obrigado. Comprar flyer de criança mendiga vendedora de chiclete dá azar, é pecado e eu nem tava afim. Comprei um chicletinho pra criança ficar feliz. Entramos na boate. Encontrei Raphael, Renata Rocha e Tremendo. Gil Bárbara estava tocando e eu presenciei algo que nunca tinha visto: bichas com panos tie dye esvoaçantes faziam a coreografia de Lokomia freneticamente em cima de palquinhos ao lado da cabine. E não, não eram gogo boys contratados da boate, eram pessoas comuns, da pista, que se revezavam e tiravam seus paninhos do bolso, estrategicamente dobrados. A pessoa subia, ficava algumas músicas, e já tinha outra esperando a sua vez. Algumas emprestavam o paninho pras amigas, sim, eu e Rocha vimos essa cena fraternal, o amigo passando o paninho pra frente. Comungar o paninho era a ordem da vez. Jonas ficou um pouco apavorado quando viu três barbies sem camisa encostadas no bar. Fria, Jonas. Ficamos lá um pouco e fomos embora a pé de volta pro hotel. Acordamos sábado na hora do almoço, fomos comer no mercado central com Rocha. Tem uns árabes lá que fazem O sanduíche, macaca. Voltamos pro hotel, fomos passar o som. O Lapa Multshow é algo como se o Aeroanta tivesse cruzado com o Olympia. Passagem de som mais rápida e profissional que eu já fiz na vida. Voltamos pro hotel, ficamos lá assistindo um especial com Los Hermanos. Depois eu escrevo sobre isso, mas eu fico feliz de eles existirem. Fomos pro show. Encontrei com TimTim e Mariana, contei que tinha ido no Josefiné (vai, mais legal com esse acento no e, uma coisa fina). E ele perguntou se ninguém tinha me enchido o saco. Parece que aquele meu texto a respeito daquele premiozinho Jeca Tatu foi parar numa lista de discussão da cena eletrônica belorizontina e causou uma discussão monstro. Parece que as Pessoas Doçura se reuniram com as Pessoas Saudades e articularam um manifesto com os concorrentes a Jogação na Pista juntamente com as Pessoas Revelação e a maioria chegou a conclusão que eu, um outsider da cena, não tinha direito algum de chochar tamanhos feitos. Certo, macacas. Quem sabe vocês deveriam fazer uma categoria Pessoa Paninho, ou Melhor Design de Pano, ou Melhor Coreografia Têxtil. E vão por os pães de queijo no forno, passem um café ou simplesmente esquentem a água pra eu fazer um capuccino três corações que eu tô com pressa. Sabendo disso, perdi até a vontade de ir ver o Nego Moçambique numa festinha intitulada Remédio (remédio, química, tabela periódica, pastilhas, piada interna de designer clubber). Tocamos, fiquei com preguiça e voltamos pro hotel. Domingo fomos almoçar em Macacos com Sabrina e Fabiano. Nos levaram num restaurante incrível, passamos a tarde lá comendo comida tailandesa e falando da vida. Cheguei aqui em sp as quatro da manhã de segunda, hoje mesmo. Tenho algumas trilhas pra fazer, contas pra pagar. Vou começar tomando um belo de um banho.

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Sexta-feira, Julho 04, 2003:

Quando acontecer, eu quero tomar três comprimidos de Lorax e sumir. Quem sabe ficar num quarto de hotel por algumas semanas sem dar notícia pra ninguém pra eles acharem que eu morri também. Vou ficar sem comer uma semana, pra sentir o corpo chegar no limite do mal estar, porque eu nunca mais vou querer me sentir bem. Quem sabe eu consiga subir num ônibus e ir pra Buenos Aires, ficar sentado alguns dias sem tomar banho ouvindo a mesma fita no walkman, chegar do outro lado do continente sem conhecer ninguém, quem sabe eu tenho ânimo de fazer isso. Porque o dia que isso acontecer, eu vou estar sozinho. Eu vou ser livre, se quiser me matar me mato, se quiser virar mendigo eu viro. Se quiser assaltar um banco, quem sabe, eu faço o que bem entender. Não vou ter mais pra quem pedir abrigo. Nunca mais vou ter colo de verdade. Quem sabe eu vou entender mais as coisas da vida, sem essas comodidades implícitas que eu tenho por inércia. Plano de saúde? Sem condição. Um quarto imaculado, com toda a minha vida pintada na parede? Isso já foram me tirando aos poucos, primeiro pintaram a parede, pediram pra eu esvaziar os armários. Leve suas coisas, ele disse, precisamos tocar a vida. Céus, quero minha parte em dinheiro, nem que precise entrar na justiça. Hoje caminhei pela rua e tive uma briga mental com ele. Quando ele pediu que eu levasse minhas coisas embora, respondi que tirasse tudo de lá e jogasse no lixo. Jogue tudo no lixo, mexa em todas as minhas coisas com suas próprias mãos, recolha todo o meu passado do armário, ponha tudo num saco de lixo e coloque na rua você mesmo. Se você quiser, eu nunca mais volto aqui, provavelmente não vou mesmo. O dia que acontecer, eu nunca mais volto lá. Não tenho porque. Talvez se eu morasse nos estados unidos, eu pudesse processá-lo por danos emocionais. Mas nem vou perder meu tempo, eu quero esquecer tudo isso, parece que agora, perto dos trinta anos, minha vida está começando de verdade. Não tenho emprego, não tenho carro, logo não terei mais família. Quem sabe muito em breve eu não tenha mais banda também, mas por outro lado, sou muito bem casado, tenho um estúdio, tenho seis bichos pra cuidar. Tenho um punhado de boas músicas compostas, das quais eu me orgulho suficientemente pra saber o que fazer com elas. Talvez eu arrume um emprego. Talvez, porque se eu conseguir me sustentar através do meu estúdio, eu não quero nem saber. Só sei que ultimamente tenho tido vontade de sumir. De dormir e nunca mais acordar pra esse pesadelo que parece cada vez mais tomar conta da realidade. Assistir o fim de uma era, mesmo que uma era particular, e pior, pessoal, dá uma sensação de passividade horrenda. Não adianta comer bem. Não adianta tomar vitamina. Não adianta levar uma vida saudável. Agora é torcer pra química fazer sua parte, quem sabe? Quem acredita em milagre? Eu não. Posso até dizer que sim, quando estou muito assustado, esperando a sorte fazer a moeda cair com a cara pra cima, mas na verdade, eu não sei de nada sobre milagres. Sei que tenho um azar do caralho alado. E sei que nada, nada, nada vai fazer a física operar de trás pra frente. Eu estou jogado no meio do mar do karma ruim, sorte que eu sei boiar. E pra falar a verdade, no fundo, eu já sabia que um dia isso tudo ia acontecer. Bá. Quanto será que custa uma passagem pra Buenos Aires? Quem sabe Los Angeles. Mas por lá as coisas iam ser muito fáceis. E eu não vou querer encontrar ninguém que eu conheça de qualquer forma… Só quero levar comigo minha caixa de fotos, meus álbuns de fotografia pra lembrar que um dia, mesmo que por um curto período, as coisas pareceram normais. Até o dia que acontecer, vou lutar pra fingir isso. E no fim, ela não teve culpa de nada, apesar de eu ter certeza que foi a culpa que enfiaram no peito dela que a deixou assim. Malditos. Isso não se faz com ninguém. Ainda bem que não vou ter filhos. Não quero perpetuar tamanha tristeza.

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Adriano Cintra

Nasci em 21 de maio de 74. Faço música desde que comecei a tocar piano com oito anos. Já tive algumas bandas, alguns empregos, alguns namorados e alguns blogs.