Meus Dedos Sujos, 2003 (3 meses em um post)
Publicado originalmente em 12/março/2012
2003 foi um ano ruim.
A doença da minha mãe foi a grande protagonista do ano, consumindo-a lentamente até dar cabo de sua vida no dia primeiro de agosto. Me lembro do dia quando tudo começou, eu estava no estacionamento do WalMart no carro da Dora com a Carol, Milena, Larissa e Aninha, tínhamos passado o dia no Templo do Rock, uma sala de ensaio que alugávamos num andar de um prédio comercial ali na Barra Funda na rua de trás do trilho do trem. Nesse mesmo andar eu tinha uma outra sala alugada com o Jonas no qual tínhamos nosso estúdio onde fazíamos alguns freelas que garantiam algum dinheiro para nossas necessidades básicas, um pouco de comida, cigarros, bebida e o aluguel. Outros amigos já alugavam salas nesse andar e tinham seus ateliês de design e artes plásticas. Fiquei por lá mais ou menos um ano até os padres donos do prédio nos expulsarem por fazermos muito barulho (ou por pagarmos pouco aluguel uma vez que o andar de baixo era tomado pela marcenaria de um cenógrafo muito ocupado com modas e artes que queria alugar outro andar no prédio para expandir seus negócios). No estacionamento do WalMart meu celular não estava funcionando então minha irmã ligou no da Carol, com quem eu morava na época avisando que “algo” havia acontecido à minha mãe durante a químio. Parece que o coração dela parou de bater e tiveram que a ressuscitar, “mas já estava tudo bem”. Eu não sabia como lidar com tudo aquilo, eu fui completamente ausente dos procedimentos médicos que minha mãe fazia, até o fim foi como se eu não estivesse lá, como se estivesse assistindo tudo de longe. Sei que minha mãe descobriu ter leucemia quando eu era muito novo, talvez uns doze anos. Me lembro que estarmos no sítio e ela ficar no quarto trancada chorando e um silêncio sepulcral se repetindo durante muitos fins de semana seguintes. Nunca me contaram, só fui entender que ela tinha alguma coisa quando ela começou a fazer quimioterapia regularmente e a viver com exames de sangue para cima e para baixo, algumas vezes feliz com os resultados. Um ano antes, em 2002, a irmã de minha mãe morreu consumida por um câncer generalizado. Foi tristíssimo, ela me ligou chorando “A tia Déda foi embora”, eu estava no Shopping Villa Lobos fazendo hora esperando o trânsito diminuir para seguir viagem pela Raposo Tavares. Não imaginava que no ano seguinte seria a vez dela. Quem deu a notícia foi meu pai. Eles tinham ido a visitar na UTI , eu não pois só podiam entrar três pessoas, foram meu pai, irmã e avó. Meu pai ligou, eu estava em casa com a Ida, atendi o telefone na cozinha, toda branca. “Parabéns, sua mãe morreu”, ouvi. Assim, com essas palavras. E desde esse dia a pessoa que escreveu os posts que vou reproduzir aqui deixou de existir.
Esse blog abrange quatro meses que precederam a morte de minha mãe. Eu havia acabado de me demitir da Tesis (produtora de som onde eu trabalhei por alguns anos e depois desse imbróglio todo voltei a trabalhar por mais um bom tempo e fui muitíssimo feliz e só tenho que celebrar e agradecer a existência dos meus antigos patrões Sílvio e Teresa, qualquer menção desagradável ou deselegante com relação à minha profissão ou a eles se deu ao fato de eu estar completamente desestruturado emocionalmente devido à doença de minha mãe), morava num condomínio em Jandira com meu ex-namorado/marido Maurício que estava passando por um processo de conversão religiosa bem complicado e eu bebia muito além do que se consideraria aceitável. Recalque, arrependimento e pavor do inevitável colorem essa época nebulosa e crucial da minha formação. Os textos em vermelho/itálico são minhas anotações atuais sobre o que foi escrito há quase dez anos. As postagens estão em ordem cronológica porém quando há mais de um post por dia o primeiro é o último. Fiquei com preguiça de arrumar.
MEUS DEDOS SUJOS (VERME DO LIMBO)
Domingo, Abril 06, 2003:
Já que isso é um blog, vamos lá.
Passei o dia todo ouvindo o disco novo do Grenade. Sr. Granado, puta que o pariu. Quem vai lançar? Você sabe que tem gente pagando pra ter isso. Seja quem for, libera logo, quero minha cópia com capa.
Adriano // 9:25 PM
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Igapó, lambari.
[Isso é o título de uma música dos grandes Vermes Do Limbo de Londrina, terra do Grenade]
Adriano // 9:18 PM
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“Bom, pelo menos você trabalhava com algo que gostava, música.”
Trabalhar cinco dias seguidos produzindo um trance lazarento pra vender cerveja ruim numa garrafinha entortada me fez feliz? Não.
E passar o carnaval gravando oitocentas opções de locução pra uma campanha planejada pra ser tirada do ar pelo Conar na segunda exibição? Quanto vale meu tempo? Quatro mil real? Dez mil real? De que adianta ganhar dinheiro se você não tem tempo pra planejar como gastar?
A única coisa que fazia aturar esse sofrimento era ter um puta estúdio à minha disposição. Sim, esse é o motivo que me segurou mais de dez anos trabalhando com essa merda. Sempre que sobrava tempo eu produzia alguma coisa minha. E que surpresa tive eu ao ver isso ser usado contra mim.
Um belo dia eu acordei e vi que não podia mais trabalhar com publicidade. Sentei com meus patrões, sensatos e até então amigos, expliquei que não tinha mais condição de continuar lá, “que estava me tornando um escroto alcoólatra infeliz, que precisava viver minha vida, ter tempo pra minha família, pra namorar, pra minha banda” blábláblá. Comoção, gratidão, compreensão. “Vai viver tua vida, as portas estarão sempre abertas, vai ter tuas experiências”, ah vá.
Liberdade.
Uma semana depois, a “facada pelas costas”: eu produzia meus discos lá, fazia trabalho por fora, até tirei uma foto com o “cara da minha banda” que eles “viram na internet” (afinal, patrão que se preza xereta o history do explorer dos funcionários). Meus argumentos? MINHA SALA, MEU COMPUTADOR, MINHA VISTA PRO JARDIM, MINHAS CHAVES, MEU SEGREDO DO ALARME, MEU TEMPO PERDIDO.
Quem passou três anos trabalhando sem registro? Quem aturou três anos de cara feia quando saía pra almoçar? Quem desmarcou ensaio, viagem, show? Quem avisava quando ia lá no fim de semana fazer coisa particular? Viva a firma! Que empresa moderna, só não obriga bater cartão. Tipo tecelagens Vânia.
O melhor foi isso ser usado na demissão de três pessoas que trabalhavam lá. “Olha, o Adriano gravava umas coisas dele aqui então vocês estão todos despedidos.” Ahn, sei.
E o Ultra Verme Rastejante do Nariz Grande Puxador de Saco Peidorrento (que não cansava de dizer que a patroa era uma puta duma brega e depois passava a tarde trancado na sala dela conversando a respeito das travessuras dos bichanos) não perdeu a oportunidade de avisar que tinha sacado que eu já havia ligado o Foda-se. Ei, ser desprezível, foda-se você vai ver no meio da sua fuça se algum dia você der o azar de cruzar comigo.
Hmm, que raiva, calma, calma.
Vamos ver como vai rolar o processo do pessoal contra eles. Quem sabe eu animo e processo também.
[O mais engraçado de tudo foi voltar a trabalhar nessa mesma produtora depois dessa presepada toda]
Adriano // 9:10 PM
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Bom, até aí quero que fique bem claro: eu não tenho nada demais contra os publicitários que eu não tenha contra a maioria dos seres humanos. Podem me chamar de mau humorado, ranzinza, babaca, mimado, criança, o escambau. Cada um com seus problemas, cada um no seu país, cada um com o que pode. Algo que me deixa tranquilo é saber que amanhã eu não vou ter que ler algum roteiro medíocre provindo de alguma merdinha de agência e fingir que não percebi quão infeliz é a profissão de produtor de áudio. Mas pode ser que se eu trabalhasse numa loja de cd, eu ficasse feliz por não ter que vender um disco de merda pra um moderninho mal informado. Ou ainda se eu trabalhasse num jornal, eu urrasse de alegria por não ter que escrever um texto insosso a respeito de um assuntinho mais ainda.
A verdade é que eu não nasci pra isso, não consigo deixar de ser infeliz se noventa por cento do meu tempo eu lidar com coisas estúpidas e pessoas vazias. E não consigo deixar de me esvaziar se for obrigado a produzir coisas que eu desprezo.
Acho que muito em breve eu vou virar mendigo.
[O eterno sonho romântico de virar mendigo que me persegue desde que sou criança…]
Adriano // 8:17 PM
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O que mais pode dar errado? Não que o fato de eu ter pedido as contas tenha sido um erro. Não foi. Em última instância, foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Eu simplesmente não aguentava mais aquele lugar, todo dia era o mesmo pesadelo, ficar trancado no ar condicionado fazendo uma coisa que eu desprezava, ganhando bem sem ter vida pra aproveitar, torrando tudo em besteira. Antes eu tivesse tido tempo pra me drogar e queimar o filme com aquela cambada de publiciotários lazarentos mortos vivos recalcados infelizes do inferno. É isso mesmo. Leiam com todas as letras: EU NÃO PRECISO DE VOCÊS. Nunca precisei, se fosse possível eu os processaria por ter me feito perder tanto tempo.
[nota do eu de 2012: preciso sim, não me reparem]
Ontem eu fiquei um tempão sentado numa praça em Londrina, de frente pra uma loja bem tosca chamada Descontão. Não há diferença nenhuma entre o sr. X. x. dono da xxxx (os nomes foram omitidos e/ou trocados para preservar minha pessoa de eventuais processos judiciais, única coisa que pessoas ricas podem fazer quando se sentem ultrajadas) e a vendedora dessa lojinha. O olhar desesperado no rosto daquela senhora que passa o dia todo em pé tentando vender um ferro de passar é o mesmo que ele tenta esconder ao se afundar no trabalho e se dizendo realizado, querendo enganar alguém de que sua vida não é tão sem significado assim. A diferença é que a vendedora da loja Descontão é uma escrava porque não tem opção. O outro optou por isso, talvez por vaidade, talvez por medo de encarar o tempo bom que não volta nunca mais.
Vejamos: ambos trabalham mais de dez horas por dia, mais de seis dias por semana, não tem tempo pra almoçar, nunca emendam feriado. A grande diferença está aqui: nas férias, ela viaja pro interior pra encontrar com a família. Ele, torra todo o dinheiro que guardou passando duas semanas em algum canto inóspito do planeta.
Duas semanas por ano os dois saem da rotina casa/trabalho/casa.
Eu não quero isso pra mim nem se me mandarem duas semanas por ano pra estação espacial.
Adriano // 8:01 PM
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O vizinho está ouvindo Madonna de novo. American Life, parece ser ok, chique, sério. A capa moderna, artsy fartsy. Fotos na W, exposição de arte em NY, ióga e make up, rugas, plenitude e reconhecimento. Mais? Ah, vá.
Chove muito, a pneumonia asiática chega a São Paulo e estou sem saber o que vai ser da minha vida. Há um mês eu pedi as contas, tinha tudo planejado: dia sete de abril eu embarcaria para os estados unidos, ficaria por lá uns três meses tocando com minha banda. Um belo dia os planos mudam (o sr. Rodrigo Carvalho resolve sair da banda pois não pode pedir as contas da sorveteria onde trabalha com medo de não ter dinheiro de pagar o aluguel) e o novo baterista não consegue tirar o visto. Ainda temos algumas cartas na manga, mas tudo leva a crer que essa turnê vai por água abaixo.
Die another day.
Estou gripando.
Meu dinheiro está acabando.
A realidade é bem diferente, como bem disse o Rodrigo. Queime no inferno, imbecil, don’t take it too personally et ora pro nobis. Se sua carne é fraca, fique sabendo que a minha é bem resistente mesmo quando encharcada em gim. Boa sorte no seu sonho americano, boa sorte com seus setecentos dólares por mês.
E você que está lendo isso agora, bem vindo(a) à piada que se tornou minha vida.
(Parte da razão de eu ter pedido as contas se devia ao fato do Butchers ir fazer uma turnê bem punk pelos EUA, que não deu certo. O Rodrigo, que tocava bateria já estava morando em NY mas não queria sair de punk por lá fazendo shows sem saber se ia ter dinheiro para pagar o aluguel. Pusemos o Jonas pra tocar no lugar no lugar dele mas como ele era muito novo e não tinha emprego, teve o visto negado)
Adriano // 7:33 PM
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Segunda-feira, Abril 07, 2003:
Mais um dia e algumas doses de vodka. Ok, não estou me tornando um alcoólatra escroto, estou me tornando um alcoólatra sensível e fiel.
Passei o dia na casa do irmão Jonas produzindo umas paradas pra emetevê. Como diz o Marcelo Gabriel, “eu tenho que fazer a feira” e a feira anda cara esses dias. Nada como manter a cabeça ocupada com algo metódico, é só ligar o controle remoto, manter o senso crítico em alerta e pronto. Depois de oito horas de trabalho produtivo fomos lá pro Elegance ll calibrar de vódega, pôr os planos em dia e falar aquelas coisas que só fazem sentido com certo teor etílico no sangue.
Assunto do dia: polêmica de cu é rola, meus amigos. De que serve sair por aí falando do tamanho do pau quando na verdade todo mundo sabe que o dito cujo em questão não passa dos míseros dezesseis centímetros? E ainda por cima sofre de ejaculação precoce, problemas de ereção e é fino como um batom? (copyright Maria de Los Angeles, que saudades!) E nem se presta a um segundo round?
Ah, vá.
Cansei. Enfiem os lencinhos cu adentro. Hype bom é saldo disponível em conta corrente. Oasis.
I got my dark sunglasses,
I got for good luck my black tooth.
I got my dark sunglasses,
I’m carryin’ for good luck my black tooth.
Don’t ask me nothin’ about nothin’,
I just might tell you the truth.
(Fofocas irrisórias do mundo do rock, por mais que tente me lembrar do que se trata não consigo nem criar uma história que faça sentido para justificar o assunto de tal “polêmica”. Polêmica da birita, só se for. O Jonas morava em Alphaville que de certa forma era bem perto do condomínio onde eu morava e essa nos víamos muito)
Adriano // 11:36 PM
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What about now?
Adriano // 12:33 AM
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“Bunch of losers” (essa é do Marco, outro clarividente de plantão)
you say
I got my way
so c’mon gimme action
oh yeah
you feel
you really got the skills
to break my connection
oh no
watch out
another bunch of losers
find
another soul seducer
it’s time for love and crime
(ouça aqui: http://soundcloud.com/meusdedossujos/thee-butchers-orchestra-bunch)
Adriano // 12:33 AM
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Ui again.
Adriano // 12:27 AM
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Ok, assunto encerrado. No more mal estar. Vá para a luz, Carol Anne, ou qualquer coisa parecida com isso. É só que às vezes eu insisto em me decepcionar com algumas pessoas, tento achar que elas valem mais do que aparentam, que têm uma carta escondida na manga praquela última rodada decisiva. Eis que na verdade não há “mistério” algum, só vazio. Não havia nada além do óbvio por baixo do lencinho.
Frescura perder tempo com isso. Eu sei. Não acho legítimo o suficiente escrever somente sobre minha vida. Gostaria de escrever ficção. Saber descrever um cenário tão bem que passasse vários parágrafos sem chatear ninguém com de meus recalques.
Sei lá. Estou com muito sono.
Vou dormir.
Quem sabe amanhã sou um pouco mais feliz nas minhas divagações.
(Mais uma vez não faço idéia de que treta era essa. Se mais pra frente ficar mais claro eu explico)
Adriano // 12:26 AM
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Sexta-feira, Abril 11, 2003:
Você já ouviu falar da síndrome da mão alienígena? Assisti um documentário ontem no Discovery Health sobre isso e estou tendo delírios psicossomáticos o dia todo. E ainda nem sofri um derrame ou uma cirurgia para seccionar os lados do meu cérebro.
Coisa horrível, sua mão não obedece aos comandos do seu cérebro, mas sim às sugestões do subconsciente. Daí as minhas senhoras não conseguem nem vestir a roupa. Com uma mão elas se vestem, com a outra, ficam tirando a roupa que a outra mão acabou de colocar.
A outra minha senhoura ia ao supermercado e a mão alienígena ficava pegando todos os produtos que ela via. Com a outra mão ela colocava as coisas de volta na prateleira, mas a mão boba pegava tudo de volta. Um horror. Chegava no caixa e ela tentava explicar sua síndrome e pronto, aquele mal estar, todo mundo achando que ela era louca.
Que situação. Tenho certeza que na vida que vem eu volto com isso nas duas mãos. Mais o câncer no osso da face, tipo homem elefante. E braços de talidomida.
Eu até que mereço.
Adriano // 12:22 AM
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Quarta-feira, Abril 16, 2003:
É muito difícil. Blá blá blá. Preciso de um plano B.
Achava que nada podia ir além da verdade, o problema é que muitas vezes ela simplesmente não existe. Se acho que chegou a hora e me preparo para ir embora de repente uma palavra vira tudo de cabeça pra baixo. Paranóico. Resolvi ficar quieto também. Não vou me preocupar com o silêncio, vou achar que é um sinal de paz, natural, confortável.
Como se houvesse algum tipo de silêncio dentro da minha cabeça, quando não é um trecho de música horrenda em loop são as vozes, as conversas, as línguas que eu não sei falar, de repente me pego assoviando uma música que eu nem lembrava, recitando um poema em francês que aprendi na quinta série, um diálogo de filme que assisti ontem na tevê. Fico imaginando quem são as pessoas da rua, somando placa de carros, número de edifícios, telefones, tentando achar algum sinal de suas personalidades nos números que me rodeiam, eles também me dizem do futuro, meu oráculo particular, no fundo nem eu acredito que perco meu tempo fazendo isso, mas eu preciso me manter ocupado.
Preciso de um plano B. Está tudo indo pro brejo, não sei se é só mais um teste ou se estou bancando o idiota. Ou se estou sendo mau caráter. Até que ponto eu não entendo as coisas? Será que o óbvio esta ululando na minha cara e eu tenho algum problema mental, polianite severa? (síndrome de Poliana, de só ver o lado bom das coisas, “quando não souber o que fazer sorria”) Pode também ser falta de álcool, ou excesso, será que tem alguém me ajudando e eu não estou vendo? Eu não passo de um egocêntrico filho da puta que está sempre reclamando de problemas existenciais enquanto não enxergo o sofrimento do próximo? Não consigo enxergar que sempre faço tudo errado? OK, i deserve it. Devo procurar meu empreguinho, botar o rabinho entre as perninhas tortas e morrer de câncer quando?
Só não quero mais entender as coisas errado, vamos. Só pode ser algum problema de educação. Ou fisiológico mesmo.
Tanto faz.
Adriano // 11:54 PM
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Quinta-feira, Abril 17, 2003:
Vendi meu carro hoje. É estranho pensar que não tenho mais carro, que não tenho mais que gastar 120 real por semana de gasolina, estacionamento, prestação. É bom. Preciso me acostumar com a idéia de andar de trem. O trem é aqui perto de casa, estação Jandira.
Adriano // 11:41 PM
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I don’t like the film, play it all back
I don’t like the set, put it all down
Se fosse fácil assim, ficar com uma pirâmide luminária em cima da mesa dando ordens.
Adriano // 10:18 AM
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Adriano // 12:46 AM
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Estou ouvindo Gary Numan, bem baixinho. Trouxe minha vitrolinha portátil Delta da casa da minha mãe. Ela funciona com pilhas, tem um falante só, é mono, coitada. Dava pra escutar rádio nela também mas hoje eu quebrei a antena que estava torta e ficava pegando no disco, meigo. Comprei o Warm Leatherette da Grace Jones por 3 real. Trê real é um preço muito amigo pra se pagar num vinil bom desses. Comprar vinil é legal, pena que deixa os dedos pretos de poeira.
Adriano // 12:41 AM
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A ingrata subiu no meu colo e está dormindo, quentinha.
Adriano // 12:08 AM
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Alice entrou no cio e faz cinco dias que não consigo dormir. Ela profere miados aterrorizantes num volume altíssimo, sons guturais improváveis para um ser daquele tamanho. Anda rastejando, rabo para o alto, se oferecendo para os móveis, sapatos, almofadas, cachorros, gatos, meu pé.
Comprei um treco azul de brincar pra ela hoje.
Tá lá jogado na sala, nem deu bola.
Adriano // 12:03 AM
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Sábado, Abril 19, 2003:
Ontem eu bebi demais. Pra piorar esqueci de tomar engov, acordei ruim, como se tivesse sido linchado. Febre, enjôo, azia, mau hálito, dor de cabeça, não podia me mexer que ficava com vontade de vomitar. Fiquei deitado até às três da tarde. Fui ver se tinha batido o carro, não, ainda bem, bater o carro da minha mãe ia ser o fim. Saí com minha irmã Clarah, fomos para vários lugares antes de pararmos na Funhoze. Tomei muitas gin tônicas que se misturaram à meia garrafa de vódka do meu pai que eu bebi na casa dele. Fiquei sozinho a tarde toda, esperando alguém ligar. Marco, Jonas, Maurício, Clarah, Ida, Amanda, Bezzi. Dormi, li. Cozinhei uma coisa horrenda que me deu uma dor de cabeça lazarenta. Comecei a beber pra ver se passava, passou.
Acho que até fumei uns cigarros ontem. Não sei direito, eu estava quase ficando incoveniente, vim embora.
Adriano // 7:13 PM
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Terça-feira, Abril 22, 2003:
Esses últimos dias foram surpreendentes. Consegui ficar sozinho em casa sem me sentir desperdiçando tempo, com aquele fogo no rabo pra fazer alguma coisa. Fiquei aqui, vi filmes, li, internetei. Segunda saí de casa às seis da tarde, fui encontrar com a Debs, depois peguei a Clarah e fomos pra Funhoze. Tomei vários sex on the beach, provavelmente uns oito. Não fiquei nem um terço de bêbado como na sexta, queria ter ido na Loca encontrar o Maurício mas prefiro passar longe daquele antro mal cheiroso da paraguaia. Meu cu, noiada. Ele foi encontrar comigo na Funhoze, ficamos lá um pouco e viemos pra casa depois. Apesar de todo o álcool eu fiquei completamente são. Não tive blecautes. Tomei meus engovs, acordei inteiro ontem.
Amanhã eu devolvo o carro pra minha mãe, quero ver o movimento trem como rola. Vai ser bom ficar em casa uns tempos, tenho muita coisa pra arrumar aqui, lixar, pintar, passar cabos, arrastar móveis. Correr. Nadar. Ler. Passear com os cachorros. Compor. Agora com estúdio em casa eu quero fazer muita música. Ei, pau no seu cu. Fique aí se matando, eu fico aqui na beira da piscina fazendo música e cuidando do jardim. Vai lá puxar o saco da cruza do Lulu Santos com o Ney Matogrosso que eu vou dar uns rolês de bicicleta pelas trilhas aqui perto de casa, comer miojo na hora do almoço com muito prazer e não ter azia depois, olha que coisa incrível.
O Marquinho não disse que ele é um lince selvagem? Eu sou só um quase mendigo. Já não tenho inveja da Cíntia da Bizarre.
Adriano // 2:28 AM
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Quarta-feira, Abril 23, 2003:
Gazela, bânger.
Adriano // 1:03 AM
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E ao longo do braço esquero eu tatuo “non ducor, duco” que nem a Ana. E na nuca “fuck off” que nem ela também. Saudades, Gel.
Adriano // 1:03 AM
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Na bochecha direita eu tatuo uma guitarra, que nem um homem que eu vi no metrô uma vez.
Adriano // 1:00 AM
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“teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi na minha vida, inclusive o porquinho da índia que me deram quando eu tinha seis anos.”
Esse Manuel Bandeira era bem esquisito. Lembro que estudei ele na FFLCH, tinha um professor de IEL que o considerava beat. Outro dia catei o Estrela da Vida Inteira pra dar uma lida e achei um tanto quanto inocente, não achei o gancho. E esse poeminha da Teresa me ficou na cabeça, antes eu tivesse me lembrado antes pra declamar pra minha ex patroa.
Deixei o livro no banheiro, do lado de uma edição da Penguin da obra completa do Walt Whitman. Mas pra mim, o melhor é o Ginsberg mesmo. i wish he’d pull my daisy, smart went crazy, smart went crazy.
Um dia eu tatuo isso. Na testa.
Adriano // 12:58 AM
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Uma boa saída para mim é arrumar algum trabalho manual. Hoje passei a tarde lixando madeira, pintando, lixando, pintando, esperando secar, enquanto esperava dei um mergulho, sequei ao sol, a água estava muito gelada. Um milhão de formigas pretas me atacaram, pulei na água de novo, mais frio, mais sol, banho. Lixei madeira de novo. Quando vi, tinha que ir pra São Paulo pra fotografar com o Nino. Busquei o Jonas em alphaville, fomos pra SP. O lince selvagem ligou, disse que ia atrasar, que nem ia sair de casa àquela hora, que ia tomar banho, comer, blábláblá, todo irônico. Ui, lince selvagem, quanto sarcasmo. Que te fiz para merecer esse tratamento de esposa? Não quer ir não vai, sô. Depois de tanta landragem, acabou chegando quinze minutos adiantado. E o Nino deu o cano. Nem teve foto, comemos um pão de queijo, falamos da vida como se fôssemos estranhos e cada um foi pro seu lado. Acabei no Takô com o Maurício, que comprou várias partituras de violoncelo e piano pra gente tocar, amanhã vou dar uma estudada.
Hoje foi um daqueles dias em que as coisas parecem começar a entrar nos trilhos, sem stress, sem falsas expectativas, sem picos de euforia. Pela primeira vez em muito tempo os minutos demoraram sessenta segundos pra passar, eu comi o tanto que tinha fome, dirigi na estrada sem arrumar confusão. Quase sempre que venho pra casa eu arrumo algum desafeto pelo caminho, como algum infeliz que vem dando seta pra passar e quando passa vai mais devagar atrasalando, despertando meu lado psicopata. Eu nunca vou andar armado.
Adriano // 12:41 AM
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Sexta-feira, Abril 25, 2003:
Pra que ficar se expondo assim? Primeiro, não é exposição por exposição. Às vezes sinto necessidade de escrever, de organizar as coisas, passar a limpo. Escrevendo sem pensar eu consigo isso. Quando acabo de escrever e leio, eu vejo quem eu sou. Sim, isto sou eu, goste ou não, certo ou errado. Pelo menos estou tentando descobrir qual o sentido de tudo isso.
Melhor que ficar com uma pirâmide-luminária rosa em cima da mesa dando ordens a torto e a direito. Na atual conjuntura, depois de todas as atitudes que eu tomei, se eu ficar um mínimo mal humorado de verdade com a vida eu posso me matar, não tenho mais jeito. Eu quero provar pra mim mesmo que era o trabalho que me fazia infeliz. Não era desculpa, de maneira alguma. Mais, eu quero descobrir quando foi que houve essa transformação. Quando e por que eu fiquei infeliz. Quanto será que as drogas ajudaram? Quanto dessa tristeza veio das Três Grandes Decepções? Acho que se eu tivesse tido tempo pra lidar com elas eu tivesse me saído melhor. E eu não tive tempo por que? Estava lá trabalhando, querendo ser o funcionário cem por cento. Demorou pra eu começar a inventar desculpas pra faltar. Teve um ano que eu trabalhava com o sr. André Abujamra (não é que eu sonhei com ele ontem…) e ele inventou de gravar um disco do Tom Zé que eu simplesmente não tive fim de semana. Tudo bem, eu era jovem, trabalhava de segunda a segunda, fazia natação quase todo dia e ainda arrumava tempo pra ir no Hells tomar tudo que me oferecessem (e eu conseguisse comprar). Acho que foi aí que eu tive noção da roubada que eu tinha me metido.
Quando você está sempre disponível e mostra que arca com todas as responsabilidades, meu irmão, você está numa barca furada. Principalmente se você for jovem e estiver no epicentro do mundo capitalista, a publicidade. Uma vez que você deu um passo pra frente, ninguém vai deixar que você volte. Uma vez que você ficou trabalhando um ano sem descanso, pode acreditar que as coisas só vão piorar. É o lazarento ciclo do abuso da democracia do terceiro mundo.
No meu último emprego as coisas aconteceram assim também. Comecei trabalhando no pior horário, das quatro da tarde as duas da manhã. As coisas foram indo bem, eu ia abrindo minhas pernas, eles iam metendo mais fundo. Chegou uma hora que me transferiram pro horário diurno, das nove as seis da tarde. Só que eu nunca saía no horário, eu invariavelmente ficava o meu turno e mais da metade do turno que eu costumava trabalhar. Pelo menos haviam as horas extras. Um belo dia, resolveram me dar comissão. Ganhando comissão eu não podia cobrar hora extra. E a comissão sempre dava menos do que se eu cobrasse hora extra. Foi indo, inventaram uma linda escala de final de semana e feriado, e engraçado, eu semrpe tinha que trabalhar nos feriados e meus trabalhos caíam no fim de semana. Uma semana antes de eu pedir as contas, era carnaval. Trabalhei o feriado todo, até domingo as quatro da manhã. Pra que? Pra ganhar mil real duma campanha que o estúdio cobrou 33 mil pra fazer.
Sabe, eu não nasci pra ser escravo. No way, jose. Posso ficar com raiva de mim por não ter sabido me impor, mas acho que aprendi. Acho. Não sei se isso é genético, de repente… mas mesmo que seja, eu não tô afim de fazer esse papel de novo. E acho bom estar tudo escrito, serve de referência. Está tudo aqui, passo a passo o que eu não devo fazer.
Sei lá. Vou ali limpar a caixa do gato de novo.
Adriano // 11:18 PM
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Será que dava pra eu ser mais chato? Iconoclasta é muito foda.
Hey, mick.
Adriano // 10:44 PM
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Minha cabeça dói, não de bebida. Antes fosse, acho que estou pegando essa gripe maldita que acamou todas as pessoas que eu conheço. Eu raramente fico doente. Quer dizer, quando eu trabalhava eu inventava todas as sortes de doença e acabava ficando doente mesmo, fazer o que, sou psicossomático. Mas essas vezes que inventei uma dor de garganta qualquer e acabei indo pro pronto socorro e tomando uma semana de antibiótico não contam. Nos últimos tempos de serviço, eu tive no intervalo de um ano: rubéola, cólera, dengue, todas as gripes da moda, úlcera, arritmia cardíaca e pneumonia. A rubéola aconteceu porque eu costumava passar um creme depois do banho chamado Tiomucase. A Ida que falou pra eu passar, que emagrecia muito. Adivinha se o negócio não me deu um vermelhão? Pronto, rubéola, uma semana e meia sem trabalhar, passeando, tocando, dormindo bem. A cólera se deu em Porto Alegre. Acho que comi algo meio passado no almoço e vomitei à tarde, pronto, cólera. Coitado do Adriano, uma semana em casa. Dengue então foi fácil demais, lá onde eu trabalhava tinha muito mosquito. Foi só chegar um dia virado de show, cara abatida, olheira, pronto, tava com dengue. Mais uma semana de molho. Mas não pense que era tudo alegria. Na maioria das vezes que eu inventei essas histórias eu acabei ficando doente, não doeeeente, mas doente, rápido assim. Nada que uns bufferins não resolvessem.
Hoje fiquei o dia inteiro aqui em casa. Acordei as duas e meia da tarde, afinal ontem eu fui tocar num lugar chamado INSPIRAL, casa nova que abriu nos Jardins. O show foi muito bom mas eu estava péssimo. Estive com dor de cabeça o dia todo, todo mundo me falando da terrível gripe que ia me derrubar, “ah, amanhã você vai estar horrível”. Não bebi nada, como disse, fui com o Rodolfo depois da passagem de som num lugar chamado Rock Burger, que costumava ser legal mas agora uns chineses compraram e ficou trevas, tomei um milkshake duplo de flocos (“olha, o dupro é sete real, o normal é cinco real, toma o dupro” me convenceu o china) enquanto o Rodolfo virava uma garrafa de breja e um copo de requeijão de pinga. Fiquei enjoadíssimo, mareado, com sono, mal humorado. Voltei pro bar e dormi em cima de uma mesa até a hora que o Maurício chegou. O show foi lá pelas três da manhã, chegamos em casa umas quatro e meia, estava uma neblina horrenda na estrada, não dava pra ver mais que um metro na frente do carro. Dormi às cinco da manhã.
Como estava dizendo, acordei às duas e meia e cozinhei um risoto com molho de tomate e proteína de soja, com muita cebola. Era tudo o que tinha aqui hoje. Fui dar mais uma demão no móvel do estúdio, puta meleca. Estou fedendo aguarrás há dias e essa merda não fica pronta. Mas foi ótimo, fiquei ocupado a tarde toda, ouvindo sonic youth, indiekid. Depois, enquanto esperava secar a bobagem, peguei emails, escrevi na página do butchers (www.butchersorchestra.hpg.com.br) e fui ver se a nova música dos Stubborns tinha entrado. Entrou! Aqui: www.mp3.com/TheStubborns, a música se chama Medication e eu a fiz pra chochar aquela bruaca da Desirée Marantes. Fui lá fora, dei mais uma demão no móvel e voltei pra cá.
Pronto. Tédio. Limpei o jardim dos cachorros. Limpei a caixa de areia dos gatos. Li. Acabou a luz. Voltou. Sentei na frente do computador e o alarme da idéia fraca começou a soar. Tá bom, sei que eu não devia fazer esse tipo de coisa, mas não é sempre que eu tenho a oportunidade de fazer algo assim:
Date: Fri, 25 Apr 2003 18:03:22 -0700 (PDT)
From: “ADriano Cintra” | This is spam | Add to Address Book
Subject: Novo single The Stubborns — Medication (oh, desirée)
To: eddie@ironmaiden.com
Tirado do site erikapalomino.com.br:
“Está causando frisson o novo single intitulado
Medication da banda de electro-clash-punk The
Stubborns. Já é hit certo na discotecagem dos mais
requisitados djs da cena roqueira de SP e o top dj
Marky está preparando um remix junto com o produtor
Dudu Marote para ser lançado pela Trama em agosto.
Segundo Adriano Cintra, o iconoclasta por trás dos
Stubborns que nas horas vagas faz as trilhas dos
desfiles mais hypados do país, customiza camisetas
para a Ellus 2nd floor e ainda acha tempo pra tocar
guitarra no internacional Thee Butchers Orchestra, a
história desse single é bem divertida:
“Uma amiga de uma amiga minha me acusou de plagio. Só
que eu nunca tinha ouvido a música dela, sem falar que
a música em questão tinha dois acordes… passado um
tempo, várias bruacas amigas dela começaram a me
ameaçar por email, daí perdi a paciência e fiz a essa
música pra ver se a raiva passava” conta ele.
Quem quiser conferir o inteligent electro dos
Stubborns pode assistir ao programa Gordo A Gogo na
MTV semana que vem. Quem estava lá na gravação saiu
pas-sa-do.
Quem quiser escutar a música em si, se joga aqui:
http://www.mp3.com/TheStubborns
Camila Yahn”
Mandei isso pra bruaca da Desirée e pras penosas das amigas dela que ficaram me enchendo os pacovás com aquela história de plágio. Eu odeio Backyard Babies, mas making enemies is good. É melhor que good, ajuda a passar o tempo. Terapia ocupacional. Que nem quando eu fiquei alugando a bicha korn por quase um ano…
Depois que eu descobri que o Henry Miller fazia coisas parecidas com essa eu fiquei menos preocupado.
(Ainda me espanto quando penso que tenho fama de ser causador, não sei o motivo)
Adriano // 10:26 PM
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Sábado, Abril 26, 2003:
A dor de cabeça continua. Podia ser meningite se eu ainda trabalhasse na Tesis.
Adriano // 2:44 PM
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Domingo, Abril 27, 2003:
Hoje tem ensaio do ultrasom, estou sem voz e me sentindo vazio. Ontem bateram no carro do Maurício. Um tiozinho bem pedreiro num Uno velho entrou na traseira do carro dele, que estava parado no farol. Foi tão forte que meu pescoço dói até agora. O carro dele vôou e entrou na traseira de uma Parati velha que estava parada na frente. Se estivéssemos sem cinto teríamos arrebentado a cara no vidro. O carro virou uma sanfona, nem abria a porta direito.
O lazarento estava completamente bêbado, fedia a pinga, não conseguia nem falar direito. “Não foi culpa minha, eu nem vi nada.” Eu estava a um passo de pular no pescoço do filhadaputa, liguei pra polícia. “Por favor, meu carro foi engavetado aqui na Av. Escola Politécnica esquina com Av. Jorge Ward.” “Um momento, por favor.” Tututu. “Por favor, meu carro foi engavetado aqui na Av. Escola Politécnica esquina com Av. Jorge Ward.” “Qual o número?” “Olha, amigo, aqui é tipo uma marginal, não tem número nenhum pra eu ver, eu estou aqui embaixo da placa e nela não tem nem CEP, nem número. Mas é no sentido Raposo Tavares, essquina com…” “Olha, sem número vai ficar difícil de te ajudar. Qual seu nome?” “Adriano. Mas é…” “Olha aí em volta e me acha um número, assim tá difícil.” E desligou na minha cara. Pode? Você liga pra porra do 190 pra pedir ajuda e um imbecil bate o telefone na sua cara. E se tivesse alguém morrendo?
Nisso o filhadaputa bêbado fugiu. Ligou o uninho todo fudido, vazando água do radiador, sem faróis e arrancou cantando pneu, quase me atropelando. Dois minutos depois, chega a polícia. Pois não? Pois não o caralho, vão atrás do lazarento do uno vermelho, placa tal, liguem pro posto rodoviário na Raposo, façam algo. “Teve vítima?” Não. “Então não podemos fazer nada”.
Uma policial ficava olhando pra gente com a arma na mão o tempo todo. Franguinha, tá com medo de que? Que dois homens tatuados seqüestrem uma viatura com oito policiais? Ah, vá. Pelo menos eles ficaram lá esperando o guincho chegar.
Não teve vítima. Não.
Chegamos em casa. Umas cem vespas gigantes estavam pousadas na janela da sala, do lado de fora. Faziam um barulho altíssimo, olhamos do lado de dentro e elas ficavam tentando picar o vidro que ficava cheio de gotinhas de veneno de vespa. Peguei o Baygon Ultra, vesti um casaco pesado, pus um boné e fui lá envenenar os insetos. Achei que elas viriam em cima de mim, mas não. Estavam completamente hipnotizadas com a luz, soltei quase o vidro todo de veneno e elas caíram no chão, fazendo um barulho mais alto ainda.
Prendi os gatos dentro de casa.
Hoje de manhã quando fui varrer o bichos alguns ainda se debatiam, tentando se livrar das formigas.
Adriano // 3:10 PM
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Descobri o que era a dor de cabeça. Nunca mais vou lavar as mãos com aguarrás, nunca mais. (eu pintei uns móveis de estúdio que eu tinha com tinta vinílica e na hora de lavar os pincéis e a mão eu encharcava tudo com aguarrás sem usar luvas, fiquei completamente intoxicado)
Adriano // 2:49 PM
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Segunda-feira, Abril 28, 2003:
Soopa doopa. Yoohoo. Dandeeramdeeram. Oompadeedam.
My bum is in your lips, my bum is in your lips.
This time it’s got to be good.
E alguém ainda duvida? Eu não. Eu tenho certeza. Vai ser muito bom. Viajar com trezentos dólares. Quase mendigo tours, Tia Augusta, sua mendiga! Vaca. Já pos botox? Eu não duvido, ela e a Valentina Caran. Quantos imóveis ela já alugou pela avenida Paulista pra achar que pode colocar um baner daquele tamanho com aquela foto fazendo aquela pose?
Alô?
Do lar não, dólar.
Tá certa.
Certíssima. Quantas camisetas eu tenho que vender em dólar pra não passar fome por lá? Gastei uns cinco reais pra fazer cada uma e vou vender por dez dólars. Se eu conseguir vender as trinta camisetas são mais trezentos dólars. Bom, dá pra pensar em comer mais de um falafel por dia. Mais os cds que o Charly vai nos dar pra vender… ok, não há motivo pra desespero. Se der tudo errado eu ligo pra Berta me buscar. Socorro, amorsh. Vem cá buscar o gato, fudeu. Send me back. Me arruma um bico lá no boardwalk de Venice pra eu juntar uns trocos? Roadie da sua banda, boba, serve. Pintor de parede. Ainda mais depois que eu pintei os móveis aqui em casa, nunca achei que fosse conseguir fazer tão direito. É só não deixar eu lavar as mãos com aguarrás de novo que fica tudo bem. Eu quase nunca fico doente, você sabe.
Só não quero ficar muito tempo na Califórnia. Aliás, não quero ficar muito tempo nesse país aí não. Eu gosto é de Jandira.
[Acho que o Jonas tinha aplicado para tentar o visto pela segunda vez e estávamos achando que ia rolar de fazer a turnê nos EUA]
Adriano // 10:47 PM
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Caminhando com MAngoKid 1
The change will do you good. I always knew it would… St. Marks Pl. tá longe, Height St. nem se fala. Os postes com os cabos pendurados não deixam esquecer, São Paulo é um dos lugares mais feios do mundo. Os prédios, caixotes com luzinhas, anteninhas incômodas no topo, os cabos esticados. Meio Nova Iórque, meio primeiro mundo. Onde? Na cabeça das pessoinhas dentro de seus carrinhos com vidro levantado gelando no ar condicionado cheias de referência? Ah vá. Meio isso, meio aquilo, nada disso. Nada. Cadê a Marilene Felinto? Tava ficando barra pesada demais pra Folha de SP? Meio New York Times. Babadex pode, meio moderno. Do lado de cá é fácil perceber que o sonho não era bem aquilo, que o diga quando se tem um advogado, um gerente, um agente e um chef, três babás, um assistente, um motorista e um avião. Madonna, tifudê, nega. Is it worth it? Lemme work it. I’ll put my bang down, flip it and reverse it. Será que estou enganado by the rocks you got? Who the fuck is Jennifer on the block? De quem é essa mulher, quem é o dono dessa porcaria? Uma Coisa Miss Kittin, não há alisamento japonês suficiente pra curar tanta ressaca moral, o Rio de Janeiro não é tão longe assim e Paris quando em temporada não passa de uma filial do Emiliano em dia de festa de fanzine, vive la jecance. “Fútil”.
Loquenlol supa cu modafoca. Fashion atitude, ilustração, customização. Por favor. Eject. Muita pose? Não pode então?
Continuei andando. St. Marks Pl. está muito longe, Height St. então nem se fala. Me lembrei dos braços finos da minha mãe deu vontade de sentar bem perto dela no sofá e assistir tv, aparentemente a única coisa que ela costuma fazer ultimamente. Me disse anda sem coragem de sair de casa, está fraca. Eu sei, gostaria de poder fazer alguma coisa a mais. Sair num dia ensolarado como aqueles que costumávamos passar juntos. Ficar à mercê da sua vontade sem me entediar, as horas demorando o dobro pra passar. Não sei quando foi que o tempo cismou de passar tão rápido. Não sei quando foi que eu comecei a perder tempo com essas coisas que não merecem qualquer tipo de atenção. Estúpido. Eu nunca fui um deles e isso eu deveria ter percebido, é uma puta de uma sorte sem tamanho. Não é à tôa o quanto eles me puxavam o saco. Eu devia ter percebido antes. Ando pensando muito a respeito de uma tarde quando eu era muito pequeno. A irmã de minha mãe estava lavando louça na casa de meus avós, a luz entrava pela porta do quintal esquentado tudo, minha tia era uma mulher muito bonita. Conversávamos bastante, eu devia ter não mais que seis anos. Eu daria qualquer coisa pra lembrar do que conversávamos. Como posso esquecer uma coisa dessas? Do que nós estávamos falando? Eu vejo a cena toda, só não consigo ouvir a conversa, o som ambiente, o barulho da água, da louça sendo lavada. Ela olha pra mim, sorri e fala, fala, fala.
Outro dia eu achei uma fita com a voz do meu avô guardada. Meu avô trabalhava numa produtora de som chamada Sonotec. Lembro que ele tinha vários gravadores em casa, sempre brincávamos de gravar quando íamos lá. Fiquei muito comovido de ouvir a voz dele. Não me lembrava que era desse jeito. Pensei em mostrar pra minha avó mas não mostrei. Não seria justo com ela. E se ela desse conta que já se esqueceu de como era a voz dele?
Ah, vá. Meus pés estavam me matando. O tênis já tinha comido os lados dos meus dedos, eu andava com os dedos encolhidos, o que dava uma certa dor nas unhas. Assim que cheguei em casa separei esses malditos converses pra jogar fora. Nunca mais compro tênis 43. Eu calço 44, eu calço 44, se não tiverem o número 44 eu posso esquecer e ir embora sem comprar tênis número 43. Meu pé nunca vai diminuir. “Sabe o que é? Eles mandam só um par de tênis 44 pra loja, sai no primeiro dia”. E adivinha se alguma vez eu estive lá no primeiro dia? Primeiro mesmo eu só fui no primeiro grau, quando não tinha nenhuma Adriana na classe pra me tomar o número um. O sol estava de rachar, a pilha do walkman estava acabando, your kiss so sweet, your sweat so sour. Dedos encolhidos. Coluna reta. “Tem algum problema na coluna?” perguntou o médico do quartel. Tenho. Escoliose, lordose, problema no nervo ciático. Fudi meu nervo ciático quando inventei de fazer Aikidô. Malditos rolamentos. Fiquei dois meses sem conseguir abaixar a cabeça, até hoje não voltei a ter a elasticidade que eu tinha. “Usa óculos?” Sim, nove graus de miopia, menti. Nem pediu pra ver, me liberou do serviço militar. Nem liguei de passar seis horas embaixo de uma tendinha com os outros dispensados esperando acabar tudo. Livre dessa merda, pau no cu do general, do comandante, do sargento, do soldado.
Cheguei no banco, inútil. Esqueci de levar o cheque recuperado, fui tomar um café na Leo. A Praça Panamericana às onze da manhã não inspira nenhum conforto. Um pão de queijo e um expresso puro. Pedi pra usar o banheiro, lavei o rosto. Comprei pilhas novas, sister, we gotta make ends meet, sister, hit em 2003. É, o Marquinho cantou muito bem mesmo. Tomei o Sacomã. Sentei do lado que o sol batia, por isso todo mundo estava sentado do outro lado. Fiz que não me incomodava, peguei o livro e li umas trinta páginas até chegar na Paulista. Não tem postes na Paulista. Meio quinta avenida, gostam de dizer. Sei, quinta avenida do meu cu. Meia dúzia de quarteirões, algumas centenas de predinhos feiosos, um parque mal acabado, cheio de bicha caçando. Um museu sem grandes peças de arte. Mais antenas, duas delas coloridas. Ah, vá. Bela merda. Atravessei a Brigadeiro Luiz Antônio, em que andar ficava a academia ordinária mesmo? Acho que no segundo andar, com uma vista especialíssima. Cruzamento de Paulista com Brigadeiro, toda sua enquanto pedalava. Um barulho infernal, uma poluição grossa descendo pela traquéia. E eu lá, pedalando duas horas por dia. Já fui atleta. Pedalava uma hora pela manhã, fazia musculação. Ia a pé pro trabalho, andava a Paulista inteira, cruzava a Dr. Arnaldo, descia a Teodoro Sampaio até a Domingos de Morais e ia até a Pça Panamericana. Animadíssimo. Não almoçava, tomava um iogurte e comia um coxinho qualquer. Voltava tudo a pé. Parava na academia, pedalava mais uma hora. Eu adorava subir a Teodoro Sampaio a pé ouvindo Orbital. Tinha uma fita que o Alfred me gravou que era boa pra andar tb. Saudades do Alfred. Quando ele morreu eu não tive coragem de ir ao velório, fomos todos pro Hells chorar as pitangas e tomar nossa dose de mdma semanal. A Marina estava fora quando ele morreu. Já tinha virado top model, acho.
Chamei o elevador. Terceiro andar. Apartamento trinta e dois. Joguei os tênis apertados fora. “Não joga fora, eu levo pro sítio e dou pro Pelé”. Minha mãe já tinha voltado da clínica, sentei bem perto, encostei a cabeça no ombro dela e cochilei um pouco. Pareceu uma eternidade.
Adriano // 9:58 PM
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Quarta-feira, Abril 30, 2003:
When i die, won’t you please, make sure you keep my records clean. Get my books off the shelf, put’em in a box and keep’em clean as well.
Quero gravar o disco novo do ultrasom o mais rápido possível. Não consigo ficar parado muito tempo. Quero produzir umas bandas que eu acho legal, mas produzir mesmo. Vou meter a mão, dar palpite, fazer o que eu acho que tem que ser feito. Sem essa de apertar o rec e deixar os negos fazerem qualquer coisa. Essa foi a grande merda de ter gravado o Pullovers e o Transistors. Não ficou do jeito que eu esperava, nem do deles. Depois vem alguém tipo o Sandro Garcia Gulliver falar merda desses discos e eu nem posso reclamar.
Adriano // 1:21 PM
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Alice tem ovário policístico ou polissístico ou poliscístico. Até castrar vai ficar nessa gangorra de cio a cada cinco dias. Deus…
Adriano // 12:49 PM
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Não ter carro faz minha vida muito melhor. É só ter uma mochila preparada para qualquer imprevisto com walkman, livros, agasalho, escova de dente, anti ácido, moedas. Um par de tênis que não destrua os pés. Pronto pra qualquer coisa.
Acordei bem cedo, detesto. Fui pra casa de minha mãe, dormi até o meio dia. Fiz tudo o que tinha que fazer a tarde e depois fui encontrar com ex-colegas da firma. Deus me livre e guarde. Hoje eu andei a tarde toda, fiquei ouvindo Cat Power enquanto subia a Rebouças a pé à noite, descobri que tenho dinheiro pra pagar minhas dívidas, vou dormir abraçado com quem eu amo e não tenho hora pra acordar amanhã. What else? Uns quatro Sex on the Beach fechariam o dia com chave de ouro, quem sabe amanhã.
Adriano // 12:46 AM
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Minha gata Alice entrou no cio de novo. Não é justo, preciso dormir. Quantas semanas por mês uma gata entra no cio? Vou pedir patrocínio de protetores auriculares.
Adriano // 12:29 AM
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Quinta-feira, Maio 01, 2003:
A grama está meio amarela. Pode ser reflexo do sol, que por sinal insistiu em aparecer apesar de ser feriado. Pena que não posso abrir a janela, a gata Diamanda Galás está parada embaixo dela, paralisada, gritando algo que poderia ser transcrito como “meeeeeeeeerghrghrgrhgrhrgrhgrhgraaaaauuuu, prrrrrrrrrrrrrhghghghgrrrghrgrhgrhguuuuu”, muito alto. Estou enrolando pra arrumar o quarto, é hoje ou nunca. Ontem finalmente comecei a montar o equipamento, coloquei os móveis, parafusei algumas coisas no rack. Tirei a cama, a bicicleta ergométrica, caixas de cds vazias que estavam empilhadas no canto há praticamente um ano. Quando tirei o tapete que ficava embaixo da cama, o chão estava branco de umidade. Podre.Tirei todos os meus vinis e pus na sala, hoje de manhã tirei-os das caixas e pintei-as de preto. Paint it black. Aliás, estou nesse movimento há algumas semanas. Próximo passo é ir no Lar Escola SFrancisco comprar uma mesa de jantar de madeira pra pintar. Minha irmã me deu um pufe, preciso ir lá buscar.
Adriano // 2:12 PM
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Está um mal estar dos diabos aqui. A gata não pára de gritar. A vontade que eu tenho é de pegar ela pelas patas traseiras e dar com ela na parede até ela morrer. Ou jogar ela na piscina com as patas amarradas. Nunca maltratei animal algum na vida, acho que nunca vou, mas não consigo parar de ter esses pensamentos sádicos com relação a essa gata lazarenta dos infernos. Certa estava minha mãe de só deixar eu ter peixes beta.
Uma vez eu tive um casal de porquinhos da índia. Meu pai fez uma linda caixa para eles que ficava no fundo da área de serviço do apartamento. Algumas semanas depois nasceram uns oito. Três meses depois tivemos que levá-los pro sítio, havia cerca de trinta. O caseiro fez um lindo cercadinho e fiquei sabendo que rolou uma bela churrascada de porquinho da índia um tempo depois. Comeu tudo, de raiva.
Nem liguei. Fiquei mais chocado quando meu pai inventou de criar coelhos e um belo dia vi todos eles sem a pele pendurados na cozinha e meu pai me deu um rabinho pra dar sorte. Tinha um pouco de sangue saindo pela ponta do rabo, perto do osso. Morria de aflição de pegar no rabo decepado do coelho.
Que idéia fraca.
Adriano // 2:06 AM
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Sexta-feira, Maio 02, 2003:
Bom, tudo conspirou contra mesmo. Nem vou me dar ao trabalho de enumerar os fatos, não quero que minha azia piore. É o seguinte: o Jonas não conseguiu o visto. Pela segunda vez. Estava lá com todos os documentos, com a carta do americano, com o fax do chefe de visto do consulado.
Aonde está o Bin Laden quando precisamos dele?
O fato é que eu nem estou afim de ir praquela terrinha lazarenta. Prefiro gastar meu dinheiro com outras coisas, ir pra Paris, pra Berlim. Que eles acham, que nos EUA nasce dinheiro na árvore? Presunçosos. Aliás, essa palavra parece ser a preferida do consulado. “Presunção de ser turista”. “Leis americanas”. Eu quero que as leis americanas vão pra puta que o pariu, senhores cônsules do caralho. Tomara que sejam sequestrados, esquartejados e queimados lá em Itaquera. Pensando bem, não deve haver castigo maior pra um americano presunçoso do que ter que trabalhar aqui nessa terra cheia de imigrantes em potencial. Com certeza o consulado dispõe de carros blindados, não? A lei americana deve ser clara, algo como “a segurança dos cidadões americanos antes de tudo, acima de tudo, com a benção de Deus”. America, queime no inferno.
Mas o fato é que eu vou pegar esse dinheiro e investir no meu estúdio que eu ganho muito mais. Eu amo Jandira, longe de tudo.
Adriano // 3:13 PM
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Sábado, Maio 03, 2003:
Sábado, domingo, feriado, tanto faz pra mim. Ontem à noite eu quase levantei pra matar a gata lazarenta. Pensei em soltá-la, mas com certeza ela ficaria embaixo da minha janela. Ela quer dar. Ou ficar no colo. Algumas vezes ela escapou pela janela do banheiro e ficou gritando, rolando pela grama mas não apareceu nenhum gato pra consumar o ato. Veio embaixo da janela do escritório pedindo pra entrar, pulou no meu colo e dormiu. É só sair do colo que começa a gritaria de novo. Mas eu não vou deixar ela dormir na cama comigo, nem a pau. Ela vai lá na caixa de areia encher as patas de coliformes fecais felinos e vem limpar aonde eu ponho o rosto? Nem fudendo.
Outro dia ela me trouxe uma lagartixa. Ficou toda ofendida que eu joguei no lixo.
Adriano // 2:54 PM
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São quase 4h48. Não vou acabar como a Sarah Kane, ela era genial. Eu sou um presunçoso, imigrante potencial COM visto, que coisa. Sarah Kane tomou cento e cinquenta pílulas de anti depressivo e cinquenta pílulas para dormir. Sua colega de quarto a levou para o hospital, onde a salvaram. Alguns dias depois a encontraram enforcada no banheiro. Ela se matou às quatro e quarenta e oito da manhã, tempos depois de escrever Psychose 4.48.
Adriano // 2:32 AM
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Andei, andei, andei por uma Av. Paulista gelada como há muito tempo eu não via, a mochila estava pesada e a sacola que eu carregava ficava cada vez mais incômoda, começou a rasgar, apertei o passo, estava garoando bem fino, dessas garoas que só se percebe quando se olha contra a luz, pensei em várias coisas, em mudar o nome da banda, em estudar italiano, em arrumar um emprego, em como o tempo se arrasta, lembrei de como eu já fui irresponsável e inconsequente, na minha carteirinha do Hells na Amanda e como ela anda distante, havia vários HareKrishnas congelando pelo caminho naquela bata cor de salmão usando tênis all star, minhas costas estavam ficando ensopadas de suor, doía quando o vento entrava nos olhos, quase parei algumas vezes pra comer algo doce mas desisti todas, queria muito estar ouvindo alguma música que me encorajasse a apertar o passo ainda mais. Passei pelo prédio da Luma torcendo para encontrá-la, sempre que passo por lá esse pensamento me toma conta, não foi dessa vez, haverão outras oportunidades, quem sabe, eu quase nunca cruzo conhecidos na rua, com excessão do MauMau e da Fera do Mar, esses eu vejo no mínimo uma vez por mês. Os chineses estavam lá preparando yakissoba entre o ponto de ônibus e a banca de jornal em frente ao prédio da Gazeta, um cheiro temperado demais para uma sexta feira molhada e gelada e poluída, barulhenta, conturbada, desconfortável, pimentão e shoyu e cebola, macarrão frito crocante por um mísero real que eu não tinha, passei incólume, nem percebi o cheiro do McDonalds na outra esquina. Nessa altura eu já estava pensando em Walt Whitman, i sing the body electric, puta que o pariu, intraduzível e incompreensível para mim, vou lendo criando desenhos que vão tomando as frases, sobem pelas minhas mãos e cobrem meus olhos, i sing the body electric, maldita democracia, maldita constituição, malditos direitos humanos, maldito país, malditos cônsules, maldita língua que canta qualquer coisa, eu tomo essa liberdade para mim, ei Bush, olha aqui, eu não preciso ir até aí para roubar o que te pertence, trinta anos de ditadura não me desviaram do caminho, estou acostumado, a lei de Gerson foi inspirada em mim, eu não espero nada, eu não tenho sorte mas tenho vários livros na minha mochila para ler no ônibus e na casa da minha mãe e antes de dormir, penso no Rodrigo e não acredito, simplesmente não acredito, me preocupo com a Teresa que operou os rins, penso na Talvez, a gata velha da Teresa, em como de um momento para outro anos e anos deixam de ter significado e provavelmente vou ter mais uma linha escrita no meu livro preto das Grandes Decepções, não pode ser uma atrás da outra, me arrependo muito de não ter ido assistir 4h48 Psicose, meu Deus, Isabelle Huppert esteve aqui e eu não vi.
Adriano // 2:14 AM
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Domingo, Maio 04, 2003:
Fotolog. Em menos de quatro links acho umas coisas bem estranhas. Perdeu contato com alguém? Procura que tá tudo lá. Calafrios, azia, algumas risadas, um ou dois chochos e no fim um certo alívio. Ei, obrigado, viu. Couldn’t be better now, you see?
Por isso eu ponho menos imagens por aqui. Ler toma tempo e requer um mínimo de neurônios. Ui, metido.
Voltando ao Fotolog, meu amigão Raphael me mandou o link do dele. Em alguns cliques eu já estava navegando pelo da Bianca Exótica, passando por todo o jetset belorizontino. Por alguns instantes pensei em colocar minhas fotos lá, mas não. Meu álbum vai ficar ali na estante do estúdio, em papel, cola e plástico. Quem vier aqui pode ver. A única liberdade voyerística que eu permito são esses posts. Contentem-se com isso.
(Hahaha faz-me rir)
Adriano // 2:05 PM
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Ontem eu encontrei uns manuscritos meus circa 96. Inferno Futebol Clube, parece que eu queria escrever um livro, como se eu tivesse algum neurônio funcionando o suficiente para tal empreitada. O pouco que reli me deu calafrios, primeiro pela porqueira do texto, segundo pelas lembranças que me trouxe. Céus. Hoje na casa de minha mãe revirei minhas fotos e separei um punhado, minhas favoritas em duas categorias: pessoas e eventos. Vou colocar tudo em um álbum e escrever o que cada uma significa, a situação, os motivos, os resultados. Me arrependo amargamente dos diários que queimei e dos que deixei de escrever. Cada vez mais acredito no hábito da escrita, que alimenta meu hábito de ler, que azeita meu raciocínio. Acho que deveria ter estudado história ou geografia. Tenho tido vontade de ler algumas coisas específicas, como o papel da ditadura na destruição da cultura no Brasil. A posição brasileira diante de Hitler, quais os países que apoiaram o nazismo. Não tenho nem pra quem perguntar essas coisas. Google? Pelo menos da minha história eu posso falar, quem sabe ano que vem eu presto pra FFLCH de novo.
Até que ponto eu tenho que situar minha condição historicamente para poder fazer algo realmente contundente? Antes de ter essa presunção eu tenho que ter certeza de quem eu sou, qual é o meu papel perante o mundo. E eu tenho que ter certeza que o mundo é aquilo que eu acho que ele é. Não acredito mais em discurso hedonista, niilismo clubber, Mauro Borges jogando dinheiro na pista do Hells, babadex, filhotinhos da ditadura. Alguém vai ter que se responsabilizar e ter culhão de fazer alguma coisa empolgante. Não é possível que esse lixo travestido de modernidade que engolimos diariamente preencha nosso vazio existencial. Suck my dick, kiss my ass, miss kittin, drop dead. Quando foi que a mídia se tornou um desserviço? Turbonegro na The Face. Não consigo deixar de torcer o nariz apesar de achar que isso não passa de baixa auto estima do terceiro mundo. (Sim, Adriano, seu complexo de inferioridade não me faz arrogante) Será mesmo? E não levar a sério os jornalistas de música da Folha de SP por não se interessarem pelas minhas bandas seria o que? Recalque? Sim, senhores, é frustrante não ter o destaque merecido. Mas com o tempo a gente aprende que o problema não somos nós, vem lá de cima, lá de trás, tem muito dinheiro envolvido e são poucos os que realmente tem uma chance e a merecem.
Bu, bu, bu.
Vaias.
Quem lê isso? Quem vai perder tempo tentando mudar alguma coisa? Quem vai perder tempo tentando saber o que está acontecendo, pra que? Até onde eu consigo ir? Sossega o pito, abaixa o facho. Quietinho, manso. Afinal, aqui é diferente, sempre foi. Não temos que acreditar no modelo europeu-norteamericano. Estamos cavando nossa própria trincheira com as unhas, deixando nosso sangue e nossa alma em cada indivíduo que temos a oportunidade de atingir com nossa “arte” (por que arte entre aspas, Adriano?). Isso não há hype que estrague, não há desserviço que prejudique, indiferença covarde que desestimule. Não temos dinheiro pra pagar jabá mas não queremos estar no meio de quem paga. Não precisamos fazer amizade com gente assustada com a própria mediocridade.
Outra coisa, hoje tive calafrios ao pensar em arrumar um emprego. Não, não, não. Vou deixar de lado as vontades consumistas, vou por em prática o plano de me tornar uma pessoa extraordinária. Ui. Doeu.
(ainda é o caminho)
Adriano // 1:56 AM
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Segunda-feira, Maio 05, 2003:
“Uma constatação um tanto Poliana”, ou “Eu também sou oportunista quando me convém”, ou ainda “Eu queria conhecer o Mágico de Oz”
do UOL
“Tornados na região central dos EUA matam ao menos 22 pessoas
07h41–05/05/2003
KANSAS CITY (Reuters) — Mais de 20 pessoas morreram vítimas de tornados que espalharam morte e destruição por diversas partes do centro dos Estados Unidos, disseram na segunda-feira autoridades locais e a imprensa.
O sul do Estado de Missouri parecia ter sido a área mais atingida, mas mortes foram também registradas no Kansas e ao menos uma pessoa morreu no Tennessee.
A região de Kansas City foi castigada por uma série de tempestades violentas, incluindo alguns tornados no domingo. O jornal The Kansas City Star afirmou em sua edição online que havia 21 mortes em Missouri e Kansas.
A TV local indicou que até 30 pessoas poderiam ter morrido, mas estas informações não puderam ser confirmadas. A Agência de Administração de Emergências de Missouri divulgou seis mortes confirmadas, com danos espalhados por 16 cidades no Estado.
Equipes de resgate procuraram durante a noite mais vítimas dos tornados.
Em Kansas City, no Missouri, onde quatro tornados aconteceram, dezenas de casas e lojas foram danificadas ou destruídas.”
E não era pra gente estar bem nessa área esses dias? Ainda bem que o Rodrigo amarelou. Obrigado, querido.
Adriano // 11:57 AM
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São Paulo é uma roça. Foi só escrever aqui que eu nunca encontro ninguém ao acaso e pronto, em dois dias encontrei várias pessoas que não via há tempos. O mais estranho foi encontrar um ex colega de trabalho lá da Tesis, tipo uma das únicas pessoas legais que ficaram por lá. “Dá uma passadinha lá, pô.” E eu, simpático “Só se for pra meter a mão no xxx.” Que meda, hein. Mal, mal, mal. Quando foi que eu bati em alguém na vida? Não me lembro. Pra dizer a verdade, sempre que tive meus acessos de raiva e estive prestes a voar em alguém, eu parei e pensei duas vezes. Não sei o que aconteceria se eu me metesse numa briga. Provavelmente eu me machucaria muito e acabaria no hospital. Ou na delegacia.
Eu fiz karate por oito anos. Durante esse período eu quebrei o pé direito duas vezes, alguns dedos das mãos algumas vezes, tive vários olhos roxos e lasquei um dente. Parei o karate porque meu professor foi embora pro Japão e no lugar dele entrou um cara muito ruim. Acho que ninguém continuou, uma vez encontrei um fulano que era faixa preta e ele disse que várias pessoas do karate estavam fazendo kempo havaiano. Ah, vá. Acabou a febre da lambada e agora o que pega é forró. As pessoas são bem estranhas mesmo.
Eu treinava lá na Academia Ono, na Brigadeiro Luiz Antônio. O seu Ono era um velho de duzentos anos que trouxe o judô para o Brasil na idade da pedra. Ele falava português que nem o nariz dele, não conseguia pronunciar duas consoantes juntas. Adriano era Adoriano. Ele escrevia ADORIANO CINTURA no recibo de pagamento. E me obrigava a jogar GO com ele, um vício. Quem enfileirasse cinco (go em japonês) pedrinhas da mesma cor ganhava o jogo. A mulher dele media meio metro e era uma velha rabujenta, dizia que se chamava Maria mas eu duvido, tinha mais cara de Naoko ou Aya. Ficava azedíssima com quem tomava água e não lavava o copo e se deixassem, cobrava a mensalidade umas oito vezes por mês. As janelas da academia eram pintadas com vários personagens de quadrinhos vestidos de quimono lutando judô. Eu tenho até uma foto do lobo mau dos três porquinhos num belo quimono, qualquer dia eu ponho aqui. O melhor dessa academia era que tinha o maior tatame que eu já vi. Era ótimo pra treinar, suave, não ralava os pés. Teve uma época que eu treinava também numa academia na Lapa, mas o chão de lá era carpete, arrancava pedaços inteiros dos pés e deixava o joelho ralado daquele jeito comprometedor.
Meu sensei se chamava Noboru e diz a lenda que a família dele fugiu pro Brasil fugindo da Yakuza. Mas isso eu tenho certeza que era papinho de um dos faixas preta que queria convencer todo mundo de que ele era ninja. Sim, ele espalhava pelos quatro ventos que ele era ninja, contava as histórias mais assombrosas a respeito das almas penadas japonesas que ele via a torto e a direito, jurava que o seriado Jiraya ensinava mudras (posições com as mãos que algumas religiões orientais fazem durante a reza) poderosíssimos e que durante a prática de uma meditação chinesa que ele praticava com um grupo no parque da Aclimação ele conseguia levitar. Uau. Ele estudava no Mackenzie e eu tive o desprazer de cursar o terceiro colegial lá com ele (desprazer não por causa dele, por causa do Mackenzie em si, puta escola de merda). Eu passava cada vergonha na hora do intervalo. Ele vinha lá do prédio de exatas falar das confabulações extra sensoriais em que estava metido. Apesar de tudo isso ele era um de meus melhores amigos e sim, eu até que gostava desse papo. Imagine, pro tanto de maconha que eu fumava, eu até que achava possível existir aquilo tudo que ele descrevia tão bem. Seres japoneses do outro mundo aparecendo em reflexos de vitrine, mafiosos sem o dedo mínimo nos seguindo pelo centro da cidade, transmissão de pensamento entre as pombas e ele, seres da mitologia chinesa que habitavam a antena de transmissão do prédio da Gazeta na Av. Paulista. Deus, por onde andará essa pessoa hoje em dia?
E eu nem vou perder meu tempo descrevendo agora minhas experiências com os espíritos pra ninguém achar que eu estou brincando. Outra hora qualquer eu pago esse mico.
Adriano // 12:26 AM
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Quinta-feira, Maio 08, 2003:
Acordar, tomar banho, escovar os dentes, escolher uma roupa, se vestir, tomar café, escovar os dentes de novo, pegar a mochila, por comida pros bichos, entrar no carro, dirigir até o trabalho, t r a b a l h a r, sair pra almoçar, reclamar da vida, voltar pro trabalho, escovar os dentes, t r a b a l h a r, sair do trabalho, voltar pra casa, cudar dos bichos, fazer comida, comer, ver tv, dormir. De vez em quando falar ao telefone. De vez em quando jantar fora. Um cinema. Um show. Uma visita. Uma viagem. Prazo. Contas. Dívidas.
Ontem estava quase dormindo quando me deu aquela sensação de cair a ficha. Adrenalina. Pensei no dia que eu for morrer. O dia em que alguém que amo morrer. O que estou fazendo AGORA que faça isso valher a pena? Pânico. Não vou mais ter crise de pânico, não, não, não. Estou com meus planos, meu estúdio, minhas bandas, estou compondo muito, ontem mesmo durante o blecaute eu tive várias idéias, estou com meus freelances, tenho dinheiro pra receber de uma cambada de filhadaputa que não paga (maldito Sao Paulo Fashion Week, Judite filhadaputa, cuzona do caralho). Como ficar tranquilo hoje sabendo que mais cedo ou mais tarde alguma coisa horrível VAI acontecer? Sim, vai, eu não tenho medo de morrer, nem a pau, por favor, acabe com esse sofrimento, mas não consigo conviver com a idéia de ter que me acostumar com o fato de que mais cedo ou mais tarde eu vou ter que ir em algum enterro de alguém que eu amo.
(Detesto enterros. Detesto. A palavra ENTERRO soa como um acidente, soterramento, não aceito ter que deixar alguém dentro de uma caixa apodrecendo num buraco coberto de terra. Já não basta o trauma de ver o corpo de algum conhecido sem vida? Lembro do enterro da minha tia. Quando acabaram de enterrar eu achei o ato de largá-la lá sozinha, com aquele tanto de terra por cima, muito pior que a morte dela em si. Me pareceu uma traição. O ato de cremar tem um significado menos traumatizante do que o de enterrar. A pessoa morreu, não tem mais “espírito”, consciência, acabem com o corpo também. Pra que ficar com aquele trambolho? Arranquem tudo o que der pra aproveitar. O resto, botem fogo.
Se ainda morássemos no Tibet e pudéssemos dispor os restos mortais pros abutres comerem…)
Mas voltando ao meu delírio, tive insônia. Entrei em loop, não conseguia parar de achar que eu precisava fazer alguma coisa, NAQUELE momento, deitado, congelando de frio. Levantei, fui pro estúdio. Acendi a luz, constatei a bagunça que precisa ser arrumada.
Fiquei com preguiça e voltei pra cama.
Dormi como um bebê até às oito da manhã de hoje.
Adriano // 2:02 PM
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Ontem acabou a luz aqui na roça. O termômetro marcava dez graus, as velas ajudaram a aquecer. Os bichos estavam catatônicos, peguei todos os cobertores de bicho, toalhas de bicho, almofadas de bichos e coloquei pra eles. Os gatos estavam amontoados na frente da tv, os cobri com um edredon. Fiquei ouvindo Cat Power no walkman. Tifudê, Chan Marshall. Não, eu não sou indie, não gosto de ficar triste e poria fogo em todos os irlandeses ou escoceses irritantes do Belle and Sebastian com o maior prazer.
E por falar em por fogo, ei F, olha o que te espera do outro lado quando você morrer de infarto causado pelo peso da sua consciência:
Cadê meus oito filmes com seis versões cada que eu te entreguei ontem de madrugada?
Adriano // 12:34 PM
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Sábado, Maio 10, 2003:
Por que diabos eu fico com sono o dia inteiro e quando ponho os pés em casa eu não consigo dormir? Macumbaram meu sono, macumbaram a turnê, céus. Vou encher a piscina de sal grosso e ficar de molho dois dias.
Não consegui tomar banho hoje, quando eu acordei devia estar uns cinco graus. Nem a pau que eu ia ficar pelado, agora nem está tão frio e estou com preguiça de tirar a roupa pra deitar… Fui pra casa de minha mãe, almocei com eles lá e assisti Dark Angel com minha avó.
É muito bom ter avó. Aliás, que palavra é essa, a-v-ó? Quase uma onomatopéia, um equívoco fonético, indigno de representar toda complacência que emana de dona Áurea. Descendente de portugueses que a nomearam Aurina, assina Áurea com a letra mais bela da aula de caligrafia. Faz os pães mais gostosos que já comi na vida, sovados no punho, numa bacia cor de laranja na cozinha amarela do Invernada do Biriça. Ainda lá em Bragança, ela coloca as roupas para quarar e vai fazer suas palavras cruzadas sentada na rede, esperando. Ela parece estar sempre esperando alguma coisa, serena, quieta, aconchegante. Dela, ouvi as duas coisas mais tristes que alguém conseguiria dizer. Ela não é de falar muito, mas quando fala, vai direto ao ponto, sem rodeios, com uma sensatez incomum à minha família. Parece que dona Áurea conhece muito bem a verdade e se não a grita na cara de todo mundo é porque sabe que não vale a pena o estrago que vai causar. Pelo menos na idade dela. Enquanto isso, na minha idade, estou mais preocupado em observar esse tipo de gente como minha avó. Aprender essa simplicidade, essa verdade crua que espirra pelos poros, impossível de esconder, que atrai vida da forma mais plena que qualquer ser humano pode experimentar. Não quero saber de nada, quero sentir essa eletricidade pela pele, estar perto de quem eu mereça e que me mereça também, quero deitar a cabeça na cama, fechar os olhos e não agonizar com alguma pendência covarde, não quero me preocupar com coisas que não sejam dignas de serem escritas, não quero ter vergonha de palavra alguma que eu coloque uma após a outra. Não quero me arrepender, ninguém tem uma segunda chance de verdade. Se você tende a acreditar nessa segunda chance é porque você provavelmente necessita dela. E o que eu acho genial da minha avó é que ela definitivamente não precisa.
Adriano // 12:22 AM
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Quarta-feira, Maio 14, 2003:
Faz alguns dias que eu ando com um livro na mochila. Um livro de contos intitulado “Putas”, que minha irmã Clarah Averbuck me presenteou. Eu me acho um cara de sorte. Há uns cinco anos atrás minha lista de amizades era muito maior, eu posso até dizer que minha popularidade era mais alta. Dividia apartamento com duas pessoas maravilhosas, nos chamávamos de família, fazíamos planos de como as coisas iam ser quando tivéssemos cem anos. Moraríamos num sítio, provavelmente o do meu pai, com todos nossos amigos velhos caquéticos, tomaríamos um monte de drogas pra não ficarmos entediados e cuidaríamos uns dos outros. Bem, o tempo passou, as drogas pararam de fazer efeito e de uma bela amizade sobraram algumas dívidas. Minha mãe arcou com as despesas do apartamento, me passou um sabão de meses e eu fiquei sem saber o que fazer. Não queria mais sair à noite e encontrar o jet set clubber com o qual eu morava, afinal de contas eu não era mais parte daquilo, fui rebaixado à casta inferior dos simples mortais que gastam dinheiro por não ter amizade com a santíssima trindade hostess/promoter/dj. Em suma, não era mais amigo das gafanhotas . Odete Roittman me desprezava, Erika Palomino não me notava mais. Meu mundo caiu, vazou o perfume, acabou a amizade e a baianada reinou. (pausa para sair do loop de expressões gotas de luxo. 1, 2, 3.)
[Gotas de Luxo era um blog onde qualquer um podia fazer um post. Haviam campos a serem preenchidos e tudo sempre acabava com a frase “e gotas de luxo caíram do céu”. Em pouco tempo esse blog virou o paraíso dos anônimos maldosos e todo mundo era chochado, dos donos do Pix (bar/clube que ficava em frente à Faap) ao Aníbal, dono da Loca. Por muito tempo fui acusado de ser o dono desse blog, me tornando pessoa non grata nos clubes citados anteriormente. Quero deixar claro que eu não era dono desse blog tampouco escrevia barbaridades a respeito do Pix/Loca e seus frequentadores, se eu o fizesse faria aqui com meu nome assinado embaixo]
Cinco anos depois.
Clarah me dá um livro com um conto cuja história eu conheço muito bem. Apesar de não ter estado lá no Love Story aquela noite eu sei que de certa forma eu estava. Quando no dia seguinte ela me contou o que tinha acontecido quando saiu do Orbital rumo ao centro eu fiquei orgulhoso de ter como uma de minhas melhores amigas alguém que procura esse tipo de coisa. Estou com saudades de minha irmã. Quero que o Beanie nasça logo. Depois, Clarah, vamos tomar todas as gin tônicas do mundo e acabar na boca do lixo vendo o sol nascer completamente turvos ouvindo Modern Lovers.
Adriano // 12:39 AM
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Quinta-feira, Maio 15, 2003:
Música do dia: sooprize package for mr. mineo, do Supercharger. Stab the motherfucker in the back. Com certeza.
Fui tirar foto lá no Bob Wolfeson. Eu, o Tuc e a Silvana (Mam’selle Lava). Vai sair na próxima Simples. É a segunda vez que eu fotografo lá, ui. Da outra vez fui eu, o Johnny Luxo e a Geanine Marques, pra uma bobagem do SPFéxionUíc. Nunca vi essa foto, me odeio ver em fotos. A Johnny disse que eu saí bem. Então tá.
Pelo que eu ouvi dizer, esse final de semana que passou foi uma coisa Warriors. Careca batendo em rocabili, rocabili batendo em mod da Vila Formosa, os mods da Formosa revidando nos carecas, luta de box na funhoze, treta no JJoint… Waaaarriooooors, waaarrioooors. Vou fazer uma gangue aqui na área Jandira/Barueri. Vamos pixar os trens, tomar o terminal Barra Funda. Vamos ter as jaquetas mais istáili. Bianca Exótica vai ser nossa líder. Vamos ter o fotolog mais acessado. Vai ser loco. Vou até colocar minhas fotos que eu tenho com a Mirian Rios quando em 1982 eu fui ver ela na peça Alice no País das Maravilhas ali no teatro Zácaro, que depois virou teatro da Falabela e hoje em dia é um templo de crente. Podiscrê, vou arrasar. Quem sabe eu ponho a foto autografada do Tio Barnabé da primeira montagem do Sítio do Pica Pau Amarelo. Cuenda, essa vale muito ôro. Quem sabe mamãe e papai me mandam pro exterior e me trocam o carro se eu for um bom rapaz. Quem sabe eles me arrumam um quarto dentro de casa até! Achtung. Atchim.
Contez un, deux, trois. E diga Lava. Me gusta, me gusta mucho. Da banda, da Heleninha, da Silvana, da Eliane, da Alê e do Danilo. Do disco. Do meu bótom que já até gastou de tanto usar. Adoro bótons. Aliás, logo mais tem do TBO. Comprem, comprem, me ajudem a fazer a feira. Preciso pagar aluguel, faxineira, speedy, directv, jardineiro, limpador de piscina, veterinário, ração dos seis bichos. Tem o Joaquim, a Yoko e o Hugo, os cachorros. Tem o Gato (que o jardineiro seu Paulo chama de Cirço, achei bens o nome e adotei), a Nico e a Alice, os gatos. Todos castrados menos a Alice, que tem que tomar mais uma dose de vacina pra castrar. Comprem as camisetas do TBO. Chamem o TBO ou o Ultrasom pra tocar. Me dêem um freelance pra fazer. Me arrumem um trocado. Isso eu aprendi com a Ida Feldman, provavelmente vocês a conhecem.
Terça que vem eu vou tocar uns cds na festa de abertura da exposição da Keyla. A exposição é na Luíza Strina, a festa vai ser não sei o nome do bar, é o bar do Gus. Estou nervosinho. A última vez que eu discotequei foi na Loca, no Grind, e foi um fracasso. Aquele povo burro só gosta de dançar música que toca no rádio, tipo Smiths, Cure, Placebo, Here comes your man (tananan nanan nanan), Candy (essa é de dar vontade de esganar o Pomba). Eu toquei NYDolls, Joan Jet, Johnny Thunders, Slade, ACDC, Cheap Trick e ninguém dançou porque ninguém sabia o que era. Se estivessem no Squeezebox tinha se acabado de rolar no chão. Vive la jecance. Se meus poucos amigos se divertirem já fiz minha parte.
E Lú, eu não estou triste não. I like bitching, that’s all. Vamos sair com a japonesa erótica de novo qualquer dia desses.
Adriano // 12:31 AM
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Sexta-feira, Maio 16, 2003:
Meu fígado deve estar a cara do Mick Jagger, um maracujá de gaveta esquecido há meses caído atrás da geladeira. Time waits for no one, ouço ele cantar das profundezas de minhas entranhas. Agora começou a dar uma dor nas costas, uma sensação de desmaio iminente. Tomei minha água de melissa Granado, tomei quase meio vidro pra ver se rebate o teor alcoólico do meu sangue, me deu uma singela azia. E um ataque de riso também. Por isso que as minhas senhoras tomam isso, álcool puro. Ficam turvas e fazem palavra cruzada.
Adriano // 5:12 PM
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Festa da Dynamite ontem no Centro Cultural. Guerreeeeiros, guerreeeeiros, venham lutaaar, guerreeeiros. Warriors é tendência, pode anotar. Vão gafanhotas, comprem o DVD, rezem pra passar no SBT a versão dublada, decorem as falas, façam uma jaqueta dos Orphans e estejem na moda. (esteJEM mesmo, venhaaam lutaaar). Gotas de luxo cairão do céu.
Tinha Warriors de todos os tipos. De lencinho. De calça rasgada com lenço de oncinha alfinetado na coxa. De lápis. Colete de couro. Jaqueta motocilista. E tinha um vinho com gosto de água de sagú. Campari. Outro vinho quase com gosto de jurupinga. Entornei duas garrafas de vinho sagú, uma de quase jurupinga, vários camparis, bavarias e sóis.
Charlotte meiga descalça, mezzo Debbie Harry, mezzo Axl Rose. Flavito transtornado, Eliane linda com novo corte de cabelo, casal mais roque do Brasil. Warriors da Pat Benatar, uns oito com camiseta da turnê da fofa, distribuindo filipetas do site do Borderlinerz. Guerreeeeiros. Tinha um que era a cara do filho do Chevy Chase no Férias Frustradas fantasiado de Laranja Mecânica. Venham lutaaar. Fui ficando turvo, turvo, turvo. Tomei dois engovs pra me precaver. Acabamos no buteco do lado do metrô e descobri uma pinga com frutas, dois real o copo. Três deles durante o eclipse, que não teve muita graça por entre a poluição da Paulista. Mais dois engovs, vai saber.
Moral da história: eu indicaria o inventor do engov pro prêmio Nobel de física.
Adriano // 3:39 PM
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Quinta-feira, Maio 22, 2003:
Eu odeio fazer aniversário. Todo mundo te olha com aquele olhar complacente, dá vontade de fazer tudo ao contrário só pra ver até onde vai a boa vontade alheia.
Mas até que esse ano deu tudo certo. Por sorte terça teve abertura da exposição da Keyla e esse evento reuniu praticamente TODAS as pessoas que eu poderia querer ver juntas. Maurício, Iano, Amanda, Didi, Carol, Rubbo, Newton, Lavínia, Dora, Marcelona, cAninha, Eliane, Flávio, Bezzi, Raquel, Nilva, Carneiro, Carlinhos, Farinha, Mateus, Cláudia Guimarães (céus, parecia que a gente tava na porta do Columbia esperando o Hells abrir), Churly (“ai, seu blog tava rolando na Ellus outro dia”, ooo, então, me arruma um emprego aí, amarra pro chegado não), Jonas, Beth, os Warriors em peso, a Luíza, Laércio e mais um monte de conhecidos que provavelmente nunca estiveram reunidos assim antes. Além do mais tinha um estoque de JB interminável. Tomei por volta de seis copos bem cheios.
Eu e a Bezzi fomos tocar na festinha depois no Amp Galaxy. Ninguém queria entrar, primeiro porque custava trinta real (apesar do Gus ter dado cortesias pros amigos), segundo porque a hostess é bem chata. A Dora já tava tratando a moça de “imbecil, mentirosa” e outras coisas mais. Saí de lá e fui pro buteco do lado, onde estavam as pessoas boas. Tomei mais umas quatro gin tônicas. Nesse momento minha prioridade era arrumar quatro comprimidos de engov. Eu fiquei lá fora com o povo enquanto o Bezzi fingia que discotecava (espertinho, levou uns cdrs mixados que eu sei, viu. ele tava pior que eu). Fui no extra comprar engov, quando voltei o buteco tava fechado e todo mundo tinha entrado. Fiz amizade com o segurança, me pediu pra tocar Prodigy. A Bezzi tava azedíssima comigo que larguei ele lá sozinho fingindo tocar. Ele saiu da cabine, eu entrei e fiquei lá fingindo discotecar. Newton me deu mais uma gin tônica, a quinta da noite. Azedei com a chatice house que tinha gravada no cd, desculpe, house é chato. Tá bom, eu até gosto, mas fui mudando o rumo. Toquei um remix de Blondie, um Gary Numan e ja emendei um Roxy Music. Quando eu vi meus amigos estavam poNgando no meio do lounge, sim, eu estava fazendo um ligeiro mal estar no lounge da bobagem. Lá se foi um Gang of Four (colou o dj residente querendo fazer amizade “É clash?” “Não, gang of 4” “ah, barulhento, né?”. barulhento? nem toquei dirtbombs ainda…) Só pra fazer o eclético coloquei o cd de house do bezzi e pus qualquer faixa. Emendei Johnny Thunders do Butchers, Joan Jett. Depois não lembro muito. Aliás, não sei como eu lembro dessa sequência. Uma hora eu azadei, pus o cd de house de novo e chamei o dj da casa, que começou com aquela coisa moderna.
Vim pra casa, acordei com uma ressaca pequena. Fiquei aqui o dia todo ontem, meu aniversário. Eu e os bichos. Assisti Ata-me. Fiz umas músicas.
Foi bom. À noite fui jantar com o Maurício no Rascal. Fiz um strike na lazanha de funghi. Não consegui dormir muito bem, tive vários pesadelos.
Hoje a Polly ligou, me chamou pra discotecar na Funhoze e tocar com o ultrasom na reabertura da Torre. Uau. Já pedi um emprego lá e ela me chamou pra ser host. Que coisa. Será que vou ficar lá na porta com o Milton? Vai ser o maior flashback da minha vida.
Adriano // 9:06 PM
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Quinta-feira, Maio 29, 2003:
Hoje fui almoçar com a Clarah Averbuck e o Marcelo Schenberg. Todos com nome e sobrenome pra homenagear aquela minha professora de Desenho Geométrico que sabia o nome completo de todos os estudantes do Logos. E ela me chamava de Cintra, eu queria pegar ela pelo pescoço, Cintra assim é o meu pai, pelamordedeus. Se ela me chamasse de DriDri eu ficaria com menos raiva. Bom, daí eu acordei com uma ressaca tamanho médio, afinal eu tinha ido na festa de lançamento da revista Simples da qual eu estou na capa. Antes da festa fui eu, a Milena, a Carol e um amigo delas chamado Teodoro tomar pinga na espanhola. Chegando lá as pessoas acharam que “tomar pinga” era uma expressão para “tomar bebida” e pediram vódega. Eu pedi um gin com campari mas as pessoas ficaram um tanto estupefatas com a mistura e eu mudei o pedido para uma gin tônica só pra não ter que explicar qual o grande barato do gin com campari. Fomos pro DEdge. Que coisa. Escuro, música alta, dez pessoas por centímetro quadrado. Encostei no bar. Eu até ia pedir alguma coisa pra beber, mas olhei pro lado, vi seres do mundo das produtoras de filme do meu lado, dei um grito de medo e fui me refugiar com meus amigos. Cheio de pessoas irritantes. Estavam por todos os lados. Tomando GIN TÔNICA. Assim, veja bem, esse drink é meu. Eu comprei os direitos da Gin Tônica. Essas pessoas nojentas asquerosas rastejantes com cara de areia mijada NÃO TEM O DIREITO DE TOMAR MINHA BEBIDA. Cheguei perto de um deles, puxei assunto “Olá, como vai? Muito trabalho? É, sou eu na capa, legal, né?”, pedi um gole e saí andando com o copo. Sumi na fumaça fedida no melhor estilo ninja jiraya alcoólatra dá a elza na gin tônica do conhecido. A melhor coisa da festa foi ter encontrado a Bianca e combinado de fazer um Barueri city tour com ela semana que vem. Quem sabe ela me ensina como chegar na estação de trem. Bebi mais algumas gts e fui embora duas da manhã.
Como estava dizendo, acordei de ressaquinha e fui encontrar com meus amigos. Clarah me deu um exemplar do seu livro novo, “das coisas esquecidas atrás da estante”. Não é porque eu amo a Clarah, mas que foda. Chamem-na de blogueira. Neurótica. Egocêntrica. Folgada. Coitado de quem não é. Eu conheço algumas pessoas que não são. Sabe o que elas fazem? Trabalham noventa por cento do tempo e querem foder com quem ousa tentar viver um pouco. Então sabe o que eu fiz? Pedi as contas e as mandei enfiar o dinheiro no cu. Vão cultivar suas doenças longe de mim. Mas como eu estava dizendo. Clarah é foda e disse que vai trazer dois de seus filhotes felinos pra morar aqui na roça comigo. Pode trazer, minha casa (e de Maurício, diga-se de passagem, muito mais dele do que minha mas muito minha também) sua casa, de Marcelo e de Beanie também. Funhouse filial Jandira. Sempre cabe mais um. Três cachorros, cinco gatos. Todos castrados e limpinhos, com suas doses de Revolution e Eukanuba.
Fui levar um cd pra Fabia Bercseck a tarde, ela não esava lá. Fui pra casa de minha mãe devolver o carro e fui a pé até a Funhoze, onde Clarah, Marcelo e Jonas estavam ensaiando. Não bastasse ela escrever, ela canta. Sim. Ela canta e muito bem. Vi eles tocarem um pouco e voltei pra casa de mamãe, que está felicíssima com o resultado de uns exames de sangue. Fiquei feliz também. Pra ela, ficar dois meses sem ter que retornar no médico é motivo pra estourar rojão. E pra mim, é uma sensação de que eu tenho dois meses pra adiar uma preocupação. Foda-se se eu não tenho dinheiro, se cortaram meu celular por falta de pagamento. Caguei. Eu estou pensando seriamente em não ter mais celular. Vou voltar pra idade da pedra. Deixem recado na caixa postal do telefone de casa. Eu não vou dar uma de Lince Selvagem e sumir. Aliás, o que vai ser do Butchers, hein? Nem eu sei mais. Hoje, pela primeira vez, eu pensei sobre isso. Parece que só eu estou interessado. Caralho, eu MONTEI um estúdio aqui na minha casa, achava que isso ia ser o que faltava pro TBO fazer O DISCO MAIS FODA do mundo. Na minha imaginação, nós nos enfurnaríamos no estúdio e comporíamos dez músicas por dia. Gravaríamos dez músicas por semana e quando tívessemos cem músicas gravadas, garimparíamos as dez mais perfeitas. Assim, teríamos o disco mais foda do mundo. Mas como eu deveria saber, afinal de contas macumbaram feio a minha existência (o menino do dedo verde, tudo que encosta vira planta só que ao contrário), a conjunção astral não colaborou muito e o Sr. Lince Selvagem resolveu que tem coisas mais interessantes a fazer do que compor músicas comigo e com o Jonas. Novas amizades, novas perspectivas. “I’m gonna leave this life behind with some suitcases and some friends, you can keep’em if you want, maybe throw them in the trash”, eu escrevi um dia. Pronto, lá veio a minha Inexplicável Lei do Karma Genérico e o Lince Selvagem me mostra como eu fui desgraçado. Ok, got it. No expectations. So take me to the station, put me on a train. Estação Jandira. Vem direto da estação Barra Funda, dá pra fazer baldeação com o metrô. Facinho.
Amanhã ia ter ensaio do ultrasom mas ninguém pode. Vou ficar por aqui colocando voz numas gravações que eu fiz com o Jonas e o Gui Barrela. Vou tomar chá e cuidar dos bichos. Quem sabe eu arrumo coragem pra dar uma corridinha pelo condomínio. Não. Eu posso encontrar a Menina da Carona. Outro dia, acho que anteontem, eu estava levando gata Alice pra castrar e indo pra SP depois. Saíndo do condomínio, eu vejo essa menina, parecida com minha irmã Anita, pedindo carona na portaria. Eu nunca dou carona. Nunca. Morro de pavor de pensar que o caronista vai perguntar se dói fazer tatuagem, se eu consigo arrumar emprego com elas, qual o motivo que me levou a fazer, com quem eu moro, o que eu faço, essas coisas que desconhecidos carentes perguntam para fazer amizade. Não sei o motivo, talvez eu tenha tido um acesso moralista cristão, mas eu parei, abaixei o vidro e perguntei onde ela ia. “Consolação, no Mackenzie”, falou com uma certa voz de gralha, parecida com a voz de minha irmã quando ficou menstruada pela primeira vez. “Entra aí. Só tenho que deixar o gato no veterinário ali na estrada, depois eu vou lá perto do Mackenzie, te deixo na porta”. Ela entrou. Aumentei o volume pra ver se ela desistia de iniciar uma conversa.
“Mora faz tempo aí?” Ai. “Dois anos.” Pronto. Começou. Ela tinha uma voz de gralha. E se achava muito esperta. Me contou que tinha uma moto mas nunca tinha dirigido na estrada com ela. Não tinha carta. Tinha dezessete anos e estudava engenharia de produção no Mackenzie desde o começo do ano. Que era a primeira vez na vida que fazia amizades fora do condomínio, que morava lá desde que nasceu, que não sabia nada de São Paulo, nunca tinha andado de metrô porque sempre descolou carona então ela não tinha que conhecer nada em SP mesmo. Um amigo do irmão dela tinha morrido na curva do São Paulo ll na Raposo ano passado. Ela e os coleguinhas de faculdade gostavam de ir na Vila Olímpia e que na semana passada, na porta do “barzinho” tinha um cara “muito maloqueiro de gorro” parado e eles ficaram com medo de entrar. Levantei as mangas do casaco. Silêncio. “Que tatuagem legal…” e ficou quieta por um tempo, sem graça. Aumentei o volume, MC5. Larguei a criança na consolação. Nunca mais vou ficar com pena de não dar carona pra adolescentes cristãos da classe média predial.
Nossa, tá tarde. Vou dormir.
Adriano // 1:51 AM
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Sábado, Maio 31, 2003:
Vamos analisar o que restou de iLoveMiami:
*Luma Assis continua top clubber, concorrendo a um prêmio em sua cidade natal (Belo Horizonte) na categoria “pessoa saudade”. Juro que isso existe. Olhem aqui (era um link da premiação de um tal PORTAL UAI) e votem, porque se alguém merece um prêmio de pessoa saudades, essa pessoa definitivamente É Luma Assis (e isso não é um chocho com a Luma em si, com a imbecilidade do prêmio talvez, mas atualmente não perderia meu tempo chochando um premiozinho de um guetozinho belorizontino de um povinho que acha que finalmente a modernidade pairou sobre a savassinha e que o posto de erika palomino da cidade tem que ser preenchido de qualquer maneira, céus, pare com isso, aaaaaaaarhgrhgr, mas é tão irritante pensar que belo horizonte, quase dez anos depois, está em pleno culto de personalidades que na verdade não tem nem onde cairem mortas, uuuuuuuu, gente dos infernos, volta pra dentro do pão de queijo de onde nunca deveriam ter saído, desculpem o acesso xenófobo, mas pelamordedeus, nunca vi tanta gente comer merda e arrotar peixe na minha vida. Pau nos seus cus. Tem acento? Não vou mandar ninguém tomar no cu sem os devidos acentos, caso os hajam.)
*K-Sandra Barbosa virou estilista da Ellus, eu amo essa menina.
*Amandão virou Ananda Krsna, hare bo. Não fuma, não bebe, não mente.
*Raquel Uendi raipou de vez (fué fué fué, Raipél, i love you babe) no Ellus 2nd Floor, no Hot Spot e hoje trabalha na Ellus com a KSandra.
*Charlotte Maluf continua firme e forte fazendo jóias no Estúdio Vulcano, cada dia mais desapegada das coisas materiais, como sapatos e meias calça.
*Focka continua em 1977, cada vez mais, cada vez mais.
*Ida Feldman conseguiu o que queria: trabalha para o Nelson Rubens, na rede TV e entra em todas as salas do SPFashion Week com seu crachá de jornalista.
*Adriano Cintra largou o emprego onde ganhava 6 mil real por mês e hoje tem cinco moedas de cinquenta centavos no bolso, além de um estúdio montado em casa e no momento está sem celular, que cortaram por falta de pagamento.
Quem diria…
Adriano // 12:20 AM
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Roubado do blog do Focka.
“Eu amo “Sapatão”…..
…em foco:
- I L O V E M I A M I (1997) — Não contém musica!
K-Sandra,Focka,Raquel Wendy (nota do adriano: é Uendi), Luma Assisa (nota do adriano: é Assis). A foto é de uma passagem de som no extinto”Mundão” que rolava no Sesc!
+ainda faltam:
Adriasno Cintra(o mentor!),Charlotte, Ida Feldman & Amandão!
quem lembra dos classicos?
-Vamos para um lugar cheio de bicha e sapatão!
-Bicha e Sapatão uma bela união!
-Eu sou bicha e ela é sapatão!
-Bolina-me….Bolina-me!
-Eu quero dá…..Eu quero dá!
-Pau preto……..
-Me da meus..$$$$???mil!
e o eterno HIT:Zé,Clarice sai correndo……..
…………eu puz fogo na F.A.A.P.!!!!….
…..F.A.A.P. em chamaaaaaaaaaassssss….cam,cam,cam,cam,cammmmm!!
…..F.A.A.P. em chamaaaaaaaaaassssss….cam,cam,cam,cam,cammmmm!!
…era quase uma orquestra:
vocais:Ida Feldman,K-Sandra,Raquel Wendy,Amanda
Guitar:Adriasno Cintra(posteriormente-hoje Adriano Butcher!) (nota do adriano: ah, vá)
drum:Focka,bass:Luma Assis,keyboard:Charlotte Maluf
…….sinto muito…mas
quem viu…..VIU!
:-)
coisas inesquecíveis:
-Empório cultural(que o KK-objetoAmarelo organizava)
com o TPM e o The Charts(extinto grupo MOD muito legal!)
…foi um Choqhe!) o Adriano largou a
guitarra no meio do show e começou a dar cambalhotas e virar estrela!
-Torre do Dr.Zero com o Sem Misericordia de BH!começam a se
beijar entre si:Raquel Wendy,K-Sandra,Luma etc…caindo pela bateria e
derrubando tudo…mó treta!Lançamento do zine Modess(da Luma)
-Alternative(Penha) com o Holly Tree e o Hateen (quem fechou
a noite foi o I love Miami,estava lotado!)…
…sendo pos-show Luma devora Holly Ts e Fabinho(na mesma noite!uau!)
-Mundão(Sesc)>com Karnak, Arnaldo Antunes & DrugStore(UK)…
a cantora Angela Maria (old School) invade nosso camarim e pega
o Adriano se devorando com seu ex na Pia!
-Com o DjMauMau… não lembro o nome do pico… mas sim que o lugar
era fino e a Charlotte pede logo um “Salmão da tabua”(a banda tinha direito!) e
depois no outro dia sairam fotos do show no jornal na coluna da Erika Palomino com
a Amanda com seus “bicutchos” pra fora!
-no começo do “banda antes”(MTV) a porrada de besteira que saia na
entrevista vinda das punkrockers:Ida,Luma & Raquel
-Todos ensaios Luma e Adriano levavam uma garrafa de Jurupinga
as musicas só saiam a partir de certo grau Alcoolico!
-Ensaio: O dia em que a K-sandra chegou virada e bebada de uma churrasco
pro ensaio perfumando tudo! Fumaaaaaaaça!
…bom algumas coisa que da pra contar…ok?
…o culpado por tudo?
Adriasno Cintra!
…..o pior de tudo:Todo mundo gostava!
-As minas tocavam de calçinha e coturnos!ham…ham!!”
Fim do texto do blog do Focka.
O Fockita. A Torre reabriu. Imagina um revival lá em cima do telhado do banheiro? Com Borderlinerz. Que tal?
Adriano // 12:07 AM
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Domingo, Junho 01, 2003:
E ontem aconteceu uma coisa horrenda, covarde, revoltante, vergonhosa.
Clara [a que viria se tornar Clara do Cansei], Flávia e Maíra estavam saindo da casa de Clara, que fica ali em Santa Cecília. Foram hostilizadas por QUINZE CARECAS. E aí, você é homem ou mulher, perguntaram pra Maíra. Eu sou gay, respondeu a bocuda. Clara correu, gritando por socorro. Flávia tentou sair andando mas levou uma COTURNADA no rosto. Maíra ficou no meio do linchamento, foi para o hospital toda arrebentada.
Como alguém tem CORAGEM de chutar essa menina no rosto? Céus.
Adriano // 4:26 PM
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E ontem eu trabalhei de porteiro da Torre. E teve também o show do ultrasom, que multi tarefas sou. “Show”. Com aspas, porque show na Torre é sempre aquela coisa tosca. Eu até tinha esperança que o show fosse no mezanino, mas na última hora eles se lembraram que no mezanino não tem PA, então, ah, toca lá em cima do banheiro mesmo. Uh. Flashbacks. Deja vus. Vus. Que horror. Deve ter algum acento isso. Bom, agora que o ultrasom é uma mega banda, com cinco integrantes (na verdade são seis, mas o sexto elemento ainda não ensaiou), ficou complicado apertar todo mundo lá em cima. Praticamos um complexo quebra cabeça, que no fim deu mais pra quebra queixo mesmo, empilhamos alguns amplificadores, o violoncelo, a bateria, ficou o verdadeiro cafofo do kuntakintê. Então visualmente estava uma coisa desagradável de se ver. Todo mundo ali na laje da edícula, se equilibrando num espaço mínimo, empunhando instrumentos, mirando os microfones, tentando pisar no pedal certo na hora certa. Uh. Complicado. Agora, o som… ninguém teve coragem de criticar o som depois de ver o trabalho que tivemos pra fazer o “show”. Eu não ouvia nada. Nada, nadinha de nada, ainda tive a brilhante idéia de colocar protetores de ouvido, afinal, surdo eu já sou, não quero ficar mais. O ponto alto do “show” foi a cover das Mercenárias que fizemos. Me perco nesse tempo, me perco nesse tempo, me perco nesse tempo, me perco nesse tempo. E depois que tudo parecia acabado, tocamos Faap em Chamas, pra uma platéia praticamente Faapiana. E com uma banda onde mais da metade dos integrantes foi faapiano um dia. Uau. Acho que isso pode ter significado alguma coisa, mas estou de ressaquinha pra tentar entender.
Ontem eu nem bebi muito. Três gin tônicas. Uma delas quem me deu foi Pa Colli, a coisa mais fofa que eu conheci nos últimos tempos. Ela tem a voz igual à de minha irmã. Gêmeas de voz. Sempre que ela me liga eu penso que é minha irmã. E fiquei felicíssimo de ser honrado com a presença de Bianca Exótica no show. “Ai, quero fazer gogo no se show.” Pena que ela não cabia no palco. Como estava dizendo, não estou de ressaca por causa das bebidas. Estou de ressaca de tantos nomes e telefones que tive que anotar na porta. “Olá. Qual se nome? ________. Você pode me dar seu telefone? ________. Então, ______, hoje é quinze de consumação ou oito de entrada. Que você prefere?” Ontem entraram quase quatrocentas pessoas naquele lugar. Uh. Adivinha se eu não sonhei com nomes e telefones… e algumas pessoas ficavam revoltadas quando eu pedia o telefone. Ok, é realmente chato dar o telefone numa porta de boate, mas o que eles acham que vai acontecer? Que a boate vai fazer telemarketing pra divulgar a programação? Que vão passar trote? Gente chata. E o troféu bruaca virgem vai para uma gorda lazarenta que ao ir embora, achou que eu comentei alguma coisa dela e veio tirar satisfação. “O que você falou?????????(assim, com milhões de pontos de interrogação, aposto que ela é do tipo que nunca usa um só)” “Ahn?” “Olha aqui, meu filho, meu nome é sei lá o que (tipo um nominho bem desgraçado desses que você não vai lembrar de jeito nenhum), eu sou daqui da VILA MADALENA (disse frizando o nome do bairro como se fosse alguma coisa fora do comum, alguém avisa pra ela que a Torre fica em Pinheiros, a VILA MADALENA fica umas cinco quadras pra frente), moro ali em frente tá? Bem vindo ao MEU BAIRRO (meu deus, cada um se apropria do que merece), moro aqui desde que nasci.” “Então, eu sou do Paraíso Quando nasci, meus pais moravam em moema, mas logo depois mudaram para o Paraíso, pertinho da Paulista.”. Saiu batendo suas perninhas de elefoa rabiosa. Pára-raio de assombração. Eu sou um. Eu atraio esse tipo de gente, desde criança. Talvez por eu mesmo ser uma, não sei ao certo. Espero que ela não frequente a Torre de sábado.
E a pior coisa de trabalhar na porta são aquelas pessoas que você conhece há anos mas não sabe o nome. E o pior é esquecer os nomes de pessoas que você já conviveu. Mas depois do frenesi nomenclatório, quem pode me culpar? Eu sou disléxico pra piorar. Tenho certeza que mais da metade dos telefones que eu anotei estão errados.
Adriano // 3:45 PM
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Segunda-feira, Junho 02, 2003:
Domingo fomos no Hangar. Eu, Amanda, Milena, Carol, Dora, cAna. As dircinhas, dirce power. Gosto do Hangar. Me lembra o Aeroanta no comecinho dos anos 90, aquela coisa meio longe de tudo, com palco grande. Tá certo que o Aeroanta era mais “transado”, o Hangar é praticamente um squat. Mas tá bom, vai. Melhor que ir na Loca. Uh. Que nojinho, que fedor, quanta gente feia reunida no mesmo lugar, uma maravilha de verdade.
Estava acontecendo um festival chamado AllGrrls, ou qualquer coisa parecida com isso. Parece que a Cherry que tava organizando, sábado até tocou Okotô, que raiva que eu não fui. Okotô é bom demais. Podreira do mais fino quilate, lembro do final dos anos 80 quando eles ainda tocavam um pop japonista e sempre iam no TV Mix, na Gazeta, que tinha uma Astrid Fontenelle novinha e descolada apresentando. Daí nos anos noventa eles lançaram um cd chamado Monstro e tocavam quase todos os finais de semana. Projeto SP, Garage Rock, Aeroanta, Britânia, Der Tempel, Espaço Columbia, Black Jack, Aze 70, esses lugares onde todo mundo ia. E onde tocavam todas aquelas bandas que nem sabiam muito bem o que estavam fazendo mas faziam muito bem. Garage Fuzz, Pin Ups, Mickey Junkies, Killing Chainsaw, IML, Pavilhão 9, Tube Screamers, Cangurus in Tilt. Ratos de Porão. Sigrid Ingrid. Korzus. DISK PUTAS. Caralho. DISK PUTAS. Acho que essa era terminou quando derrubaram todas as casas da Miguel Isasa pra alongarem a Faria Lima. Kurt Cobain se matou. Acabou o Aeroanta. Os anos 90 murcharam por volta de 95.
No começo, tinha o São Paulo e o NY (dois bares que ficavam na mesma ruela, paralela à Rua Estados Unidos perto da Augusta). Depois, Super Bacana e Jungle. Depois teve o que? Ursa Maior? Galpão Paparazzi? Sra. Krawitz? Samanta Santa? Hells? Eu vi um show do Mickey Junkies no Hells. Desfile da Ad Libitum, do Anderson Rubbo. E todo mundo tomou doce, a Keila desfilou de mulher maravilha. Sensacional, você há de convir. Em pleno embrião do que seria o catalizador da cultura eletrônica brasileira, acontecer um show de rock… 95? Acho que sim, naquela época as pessoas não sabiam muito bem o que estava acontecendo. A Ana nem era dj, ainda era metaleira e de vez em quando algum dj tocava um remix do Blur por lá. MauMau soltava uns Public Enemies e Beastie Boys. Éramos mais felizes, acho. Ignorance is bliss, diz aquele ditado iânque desgraçado. Saíamos de terça a domingo. Columbia, Latino, Latino, Latino, Columbia, Latino. Às vezes íamos na Sound Factory, onde podíamos entrar de graça com nossa carteirinha do Hells. Nos davam bebida. Fizeram uma ala vip pra nos acomodar. Isabel de Messina ia conosco. “Alguién bíu mi motorista?” Ela sempre levava e perdia o motorista nas baladas. E era difícil encontrar o motorista dela na Sound Factory. E nessa época teve show dos Beastie Boys no Olympia. Muita anfetamina pra aguentar essa rotina. Enibex. Anfepramona. A Fera do Mar me dava umas bolinhas, a Paula também. Furei o septo, a língua e o lábio. Trabalhava das nove às seis, fazia academia das seis às oito da manhã. E como todos queriam sair sete dias por semana, o Pil inventou de fazer o Liquid, de segunda feira, no Latino. Eu ia. Pelo menos nas quatro vezes que rolou. E todo mundo pensava “oba, tem hells segunda feira.” E eu saía de lá e ia direto pra academia e pro trabalho depois. E eu ia a pé, da Paulista até a Praça Panamericana.
A Lou das Mercenárias abriu a Circus onde era a Ursa Maior. Maior bad trip de ácido da minha vida, tive alucinações visuais pesadíssimas. Fiquei virado dois dias seguidos e quando a bola baixou, fui assistir Pulp Fiction no Iguatemi. E o Retrô reabriu na Fortunato. Roberto Cotrim, batalhador do roque, morava lá no sótão com a família e o cachorro. O Ultrasom tocou lá uma vez. 96. Fomos passar o som e no meio da pista tinha uma máquina de lavar, soltando água com espuma, onde mais tarde, umas quatrocentas pessoas iam vomitar coquinho. Um setter inglês corria feliz pelo palco, pulando, latindo, mijando em todos os cantos. Guerreiro esse Roberto Cotrim. E lá tinha festa da Andréa Gram, Club Alien. Roberta ficava na porta com Marina. Marina tinha nojo de ficar na pista porque chovia suor. Fenômenos da física clubber.
E tudo foi indo. Ana casou com Davi, saiu da porta do Hells, virou dj e formou o PetDuo. Mercado Mundo Mix. Florestta. Torre do Dr. Zero. Drum’n’Bass na Penha. Marky Mark no Hells. Raves. Acabou o Hells. E os anos 90 que haviam terminado em 95 acabaram de novo.
Confuso, deveras.
Adriano // 11:24 AM
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Terça-feira, Junho 03, 2003:
Que fome.
Fome, fome, fome. De Twix. Fome de pão de mel embebido em rum que tem na casa de mamãe. Nunca mais vou comer isso. Issos. Muitos issos que não vou mais comer. Como confessei, sou compulsivo. Essa foi uma das razões pela qual eu me tornei vegan há três anos atrás. Gosto de mudar abruptamente. Foi assim que eu parei de fumar. Foi assim que eu parei com as substâncias ilícitas. Com a Luma. Eu preciso me afastar das coisas. E muita gente entende isso como uma atitude punidora, mas não é. Não quero deixar lições de moral, bá, moral. Moral pra mim é não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem com quem eu amo. Bonito? Chorem então. Eu preciso me afastar porque às vezes me sinto sufocado pelas coisas. Eu cultivo tudo intensamente, como se tudo na vida tivesse uma pilha infinita. Eu acredito nas coisas piamente e sem restrições. Eu tenho fé nas coisas que eu cultivo. Sim, eu acredito nos meus poucos amigos, sei que daqui há mil anos eu vou poder contar com eles e eles comigo. Podemos ficar sem nos falar por anos, quando nos encontrarmos teremos muita coisa em comum ainda. Pessoas que eu enquadro nessa categoria são poucas, pouquíssimas. Em menor número que meus dedos. São minha família, são para quem eu acordo todo dia de manhã e faço as coisas que faço. E eu espero, espero, porque esperar não me custa. Fico aqui fazendo minhas coisas, feliz na minha casa, com que eu amo, com meus bichos, meus poucos amigos de sangue e de quilate inclassificável dentro do peito.
Mas que coisa mais melada. Estou faminto.
Adriano // 9:44 PM
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Me arrependo de ter ateado fogo nos meus diários.
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Passeei à tarde com Carol. Fomos tomar sorvete na Haagen Dazs, fomos humilhados pela desgraçada da balconista. Foi hilário. Acho que ela tá acostumada a servir sorvete pro Giane e pra Marília. Vai saber. Depois fomos no segundo andar da Ellus. Nunca tinha ido. Vi as bonequinhas de Clarice, fofas. As camisetas do Tomás (tenho certeza que tinha umas lá que ele silcou debaixo da chuva naquela festa fatídica na casa da Carla Fincatto quando eu virei um copo de requeijão de uma vódega polonesa com o Fralda depois de ter tomado dez catuabas com a cAna no Hangar no show do Forgotten e dormi e vomitei dirigindo e bati o carro na estrada e foi horrível). Fábia Bercsek e Emilene Galende, bonito demais. Depois fomos comer no Almanara com Maurício e voltei pra casa. E hoje eu fiquei vegan de novo. Não dá mais. Acabou a festa. Fica aqui registrado.
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Quarta feira agora, dia 4, eu vou discotecar lá na Funhoze. Festa de aniversário da Polly.
E dia 13, sexta, eu vou discotecar lá na Torre, na noite do meu irmãozinho Bezzi.
Vão se puderem.
Adriano // 1:27 AM
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Sexta-feira, Junho 06, 2003:
Ontem ouvi uns trechos do disco novo do Radiohead. Me irritou mas acho que vou gostar.
Adriano // 9:25 AM
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Aniversário da Polly na Funhoze anteontem. Saí de lá às cinco e meia da manhã de ontem feliz por ter conseguido misturar Yoko Ono e Kraftwerk e electros lixos e Mercenárias e Tina Turner fase discoteca e ter relembrado todos os movimentos de aikidô pra apartar uma briga da mulher-hippie que fez uma demonstração de dança moderna no meio do show do Royal Shaker Ei Bêibe Me Dê o Azul. Ei, bêibe, me dê o azul. E umas gin tônicas. Se só tiver champanhe tudo bem, tim tim. E por falar em champanhe, Erika Palomino voltou a escrever na Folha de hoje, céus, já estava me dando banzo. E pronto, me deu vontade de ir ao Xingú. Xinguísmos: warriors, champanhe, electro, Borderlinerz, Bianca Exótica, centro, sexta feira, fotolog.
Bom, hoje eu vou estar lá na porta da Torre. Festa da Polly de novo, do Tchelo e do Serginho. Quer ouvir rock? Passa lá então, Marco Homem Azuis vai discotecar, garanto que vai ser bom.
Adriano // 9:03 AM
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Domingo, Junho 08, 2003:
E eu detesto esse tipo de post, mas a tarde está muito mais fácil com o You Are Free da Catpower.
Adriano // 7:07 PM
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Céus. Esqueci meus engovs. Meus amigos queridos, companheiros de longa data. Como pude? Agora aguenta. Fui trabalhar na Torre. Cheguei cedo demais, fui comprar um caderno, que alegria comprar cadernos. Devo ter mais de trinta cadernos em uso na minha casa. Servem pra fazer diário, anotar receita, lista de supermercado, escrever coisas más a respeito dos outros, registrar aquelas idéias fracas pra futura referência. Ontem mesmo escrevi nesse caderno novo umas cinco páginas a respeito da minha situação como porteiro da Torre. Nada muito interessante, pra falar a verdade. Lendo hoje, gostei da parte que eu narrei um cliente polemizando o sistema de cartões da casa. “Isso é extremamente burro”, constatou o moço. Aposto que ele estudava marketing. E sobre um outro que comentou com o amigo “Olha, tem um Butcher na porta. Era só o que faltava”. Como assim, meu amigo? Vai catar coquinho, vai escovar ovo, vai pentear macaco, só pra relembrar o Disk Putas.
Ontem parecia que não ia acontecer nada demais por lá. Tinha festa da Bispa com show dos Forgotten Boys numa cobertura na Paulista e tinha show dos Borderlinerz no JJoint, além de algo intitulado “Rave Urbana”, céus. Doidera, sô. Extremamente louco. Como li outro dia num blog, é nói, whatever it means. O Marco apareceu na Torre com Chico e Marina do Biônica. Debbie, Márcia Bonita e Clayton foram também, pena que bem na hora que eu estava indo embora. Amanda já estava lá comigo quando a Dora, a Milena e a Carol vieram me pegar. Raphael foi conosco pro JJoint ver os Borderlinerz.
Infelizmente quando chegamos lá o show já tinha acabado. Fofocka Cada Vez Mais 77 estava com os olhos cheios d´água. Me mostrou todas as fotos e os quicktimes que fez do show. Saco. Perdi. Zé me falou que vão tocar no DEdge. E falou que leu meu blog. Fiquei com vergonhinha. Guerreiros. (Por falar nisso, Miojo falou que tem uma camiseta dos Guerreiros, eu quero. Muito. Vou fazer uma tela.) E eu quero tocar no DEdge também. Com o TBO. Aliás, podíamos fazer um dia TBO e Borderlinerz. E se o mundo fosse menos Guerreiros, Forgotten Boys também. E 7Magníficos também. Aliás eu não consigo parar de ouvir o cd deles.
E ontem teve show das Staples. Primeiro, acho que elas deveriam se chamar Grampo. Mas tudo bem, elas são cariocas e Ssshhhtêiiiiiiiipoulssssssshhh tem um certo fator charminho. Bubblegum maneiro. Honesto. Agora, me diga você que já viu as gurias em ação: como aquela baterista consegue ficar IMÓVEL? Sério, mumificada. Tucatucatucatucatucapshhhhtucatucatucatucatstststs. Bizarríssimo. Tive até um sonho no qual ela me explicava a técnica: “Eu só mexo os punhos”. Tá certo, quem me falou isso um dia foi o Viola. Mas no sonho a menina se apropriou dessa fala.
Dormi às seis da manhã, levantei às onze e meia. Acordei meio bêbado ainda, a ressaca nem tinha começado. Fui almoçar com mãe e pai no Italianinho. Meu pai sempre arruma picuinhas com os garçons. E bem nessa hora, minha ressaca apertou o play. Minha cabeça parecia estar sendo perfurada por milhares de agulhas de tricô e meu cérebro parecia ter sido bordado de paetês por dentro. Fashion minha ressaca. A comida demorou. Meu prato veio errado. Enfim, foi trevas. E pra acabar de pagar meus pecados, levei minha mãe no Mercado Mundo MIx. Uh. Meda, pânica, horrora, desespera, azia e ressaca. O que eu aprendi com isso: Alma Smith pôs peitos. Imensos, redondas melancias as tetas de Alma. E os clubbers favela estão incríveis. Tinha várias meninas clubbers favela montadas de personagem de mangá. Um descontrole que eu nunca tinha visto antes. Amei. Curaram minha ressaca, coloriram minha tarde.
[E essa foi uma das últimas vezes que saí com minha mãe]
Adriano // 6:38 PM
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Quinta-feira, Junho 12, 2003:
E a melhor coisa de mudar o estúdio daqui de casa vai ser ter uma “rotina” novamente. Ainda mais agora que eu não tenho mais carro, vou pegar carona na rotina do Maurício, que acorda quatro vezes por semana às cinco da manhã pra fazer esgrima. Ui. Só de pensar em acordar esse horário me dá calafrios. Mas vou me obrigar. Ando muito hippie. Quem sabe volto pro aikidô, ou pro karatê. Ou vou fazer taekwondo com a Dora. Ou ioga. Tantas escolhas…
E hoje já marquei a transportadora de piano pra levar o meu pro ateliê. E Jonas vai levar o órgão dele. Que venha o Tim Kerr. Vem nego, vem logo. Vamos gravar esse disco de uma vez. Eu amo o Butchers.
Adriano // 9:58 PM
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Três dias sem sair de casa. Ok, levei os cachorros pra passear, dei uma andada na grama, essas coisas da vida no campo. Acordar tarde, comer pouco, fazer faxina. Nem fui ver os desfiles que eu fiz a trilha. Aproveitei o tempo livre pra fazer uns bootlegs pra quando eu for discotecar. Ei, me chamem pra discotecar. Por falar nisso, vou DJar na Torre, festa do Bezzi. Dia 11 de julho.
Hoje estou aqui em SP, vou passar lá no ateliê pra onde eu vou mudar o estúdio. Na Barra Funda, no andar da sala de paredes vermelha e listrada. Dá vontade de morar lá.
Adriano // 2:21 PM
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Domingo, Junho 15, 2003:
Ai que dor nas costas. Queria ir lá nos ceguinhos da praça da Liberdade fazer massagem de derreal. E parece que o inverno se foi mesmo, está um dia lindo no campo. Silêêêêncio. Um passarinho solitário, uns cachorros latindo ao longe. Um efeitinho de rua ao longe, como dizia minha ex-patroa.
Adriano // 12:57 PM
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Dia foda. Jandira-Santana do Parnaíba-São Paulo-Jandira-São Paulo-Santana do Parnaíba-Jandira-São Paulo-Jandira. Ui. Mudança. O estúdio está todo lá na Barra Funda. Piano, órgão, computadores, gravadores, mesas, microfones, fitas, pedestais, tudo, tudo, tudo. Eu vi dois caras subirem seis andares de escada com meu piano de quatrocentos quilos nas costas. Uh. Uh, céus, e eu fiquei todo podre de descer o órgão do Jonas que não pesa nem cem quilos um andar. Bichinha. Ainda bem que Raphael nos ajudou.
E depois de toda a mudança eu ainda fui pra Torre ficar na porta, foi massa hoje.
A Torre está um lugar do caralho. Todo mundo em casa. KSandra, Mariana, Iano, Charlote, Zel, Fabi, Jonas, Beth, Chuck, Cherry, Pacolli. A vontade. Banda foda, Run Devil Run, de Samuca e Ronaldo Inocentes. Muitos rockabillies, cara, que povo sossegado. Gente fina pra caralho. E a discotecagem foi bem. De Metallica a electro. Queria ter discotecado também…
Quarta feira que vem, feriado, rola festa boa lá. Eu na porta, Rick Levi, Polly, Bezzi e Tiago no som. Gostoso.
E segunda tem show dos Borderlinerz no DEdge, opa, quero ver. Assim mato dois coelhos com uma caixa d’água só, relembrando o Abu.
Ah, vou tomar meu engov.
E vou dormir, estou morrendo de sono.
Adriano // 4:56 AM
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Segunda-feira, Junho 16, 2003:
Primeiro post do estúdio. Urru.
Vai ser bom. Eu faço a feira, vocês se divertem. Que tal?
Adriano // 8:55 PM
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Uma vez eu encasquetei de ir morar em nova iorque. Eu e a Roberta. Fiquei lá alguns meses, ela continua lá até hoje. Na verdade ela se mudou pra LA, casou e tem uma station wagon zero quilômetro, mas isso não importa muito. Eu sinto muita falta dela.
Fomos em noventa e sete. Ela foi uma semana antes de mim, não lembro por que. Ficou na casa de Kelly e Charles, Kelly é de Belo Horizonte, filha de José Carneiro, dono do SOS Fogões. Eles moravam no Brooklyn, Douglas St., Park Slope. Cheguei lá uma segunda feira de manhã, estava um calor dos infernos. Charles estava saindo pra trabalhar de terno e gravata, me cumprimentou daquele jeito americano, shaking hands. Me convidou para um drink à noite.
No mesmo dia fomos pro hotel em Manhattan. Tínhamos duas semanas de hotel pago. Duas semanas pra arrumar um emprego e um quarto. Eu tinha uns cinco mil dólares em dinheiro pra segurar as pontas até me acertar.
Kelly me apresentou pro Larry, um professor de escultura da Parsons. Ela posava nua pra ele, ele tinha uma obsessão por ela. Ela era casada com Charles, um negro too proud e too determined, ambicioso. Ele tinha tudo planejado, tudo na ponta do lápis. Comprava um pão de dois dólares plus tax e cobrava metade de Kelly. Sim, dizia ele, you are my bitch but i ain’t paying. E Kelly nunca perdeu o sotaque belorizontino. Charrrrrrrrrrrrrrrrlisch, it wash thirrrrrrtch thrrre dóóólarsch. What the fuck, reclamava ele. Eles se conheceram quando ambos moravam em Londres e deviam ser mais felizes. Trabalhavam na Tower Records e decidiram se casar em NY. Mas como eu dizia, Larry me contratou para ser seu escravo. Ele havia herdado uma propriedade no Brooklyn, ali em Park Slope mesmo, que precisava ser reformada. Ia me pagar dez dólares por hora, uma fortuna pra um imigrante ilegal sem nenhuma experiência em construção civil. Era uma casa de três andares caindo aos pedaços. Minha primeira missão era limpar o jardim, abarrotado de lixo até o primeiro andar da casa. Uh. Luvas, i need gloves. Ok, fui comprar no hardware store. E lá fiquei eu, durante cinco dias tirando lixo dos fundos do cafofo do Larry. Nunca fumei tanto na minha vida. Winston, no bull. Quando eu acabei, ele mandou eu cortar as árvores que ficavam perto do muro. Ok. Jerônimo. Derrubei duas arvorezinhas. Coitadas. Agora, disse ele, no roof tem um monte de tijolo, bring em down e make the floor. Hmmm. Ok. Fiz o piso. Uma coisa home improvement. Agora, suba uma parede ali paralela com o caminho. Subi um murinho ridículo. Nunca achei que fosse ser pedreiro algum dia.
A Roberta também foi contratada pelo Larry. Nós reclamávamos e gastávamos boa parte do dinheiro em bebida. Cosmopolitans. Um dia ela foi passear em St Marks Pl. e entrou na Fun City Tattoo. Arrumou uma treta com o dono, o Johnattan Shaw, e ele a convidou pra trabalhar lá na loja. Eu tinha que ficar lá pra ajudar a Berta porque ela simplesmente não falava quase nada de inglês. Mesmo assim, vendia tatuagem que nem água. Foi lá que ela conheceu o Xavier. Ele tatuava lá. Tinha acabado de se separar da mulher, que tinha voltado pra Seattle. Nos convidou pra morar com ele.
Arrumamos um carreto de um mexicano tosco demais. Ele foi nos buscar no hotel, que ficava na rua 34 com a sexta avenida e nos levou pra casa do Xavier, em lower east side, Clinton St, quase esquina com a Houston. Apartamento 5B. Sem elevador. Subimos tudo, tocamos a campainha. Latidos. Latidos assustadores. Xavier abre a porta. Ele estava com uma mulher na sala mais dois pit bulls. Rezei pros cachorros serem da mulher. Ele nos mostrou o apartamento, nosso quarto, a sala e a jaulinha dos cachorros. Uh. Eram dele. Sem dúvida. Se chamavam Slam e Lucy e não foram com nossa cara. Don’t worry, eles não mordem, nos assegurou um Xavier emaconhado. Deixamos nossas coisas lá, Roberta foi trabalhar, eu fui comprar um beeper. Não ia trabalhar no Larry esse dia, fui dar um rolê ver se achava algum outro emprego mais perto dali.
Cheguei em casa umas sete da noite. Coloquei a chave na fechadura. Rosnados. Grunhidos. Amarelei. Tirei a chave da porta, subi pro roof. Fumei uns dois cigarros. Xavier trabalhava à noite, até as duas da manhã. Eu tinha que tomar uma atitude. Desci novamente, rodei a chave, abri a porta. Rosnados no escuro. Olhos brilhando se aproximando muito rápido, céus, bati a porta e tranquei de novo. Latidos, unhas raspando na porta. Argh. Roof again. Mais cigarros. Desci, fui na Carniceria Hispanica que ficava do outro lado da rua comprar sorvete. A luz do meu quarto estava acesa. A escada de incêndio! Subi ao telhado de novo. Roberta estava na janela: desce pela escada, drizinho. Desci. Ela não tinha coragem de sair do quarto por causa dos cachorros. Que merda.
Com o tempo fizemos amizade com os bichos. Eu até os levava pra passear. E ficamos muito amigos de Xavier. Ele era poeta. Afilhado do Ginsberg. Ficava nos mostrando fotos do velhinho de barba branca rodeado de jovens. Nos mostrava os livros que um dia tinham sido dele. Nos mostrava os livros que tinha escrito. Os cds que tinha gravado. Fotos do dia que sofreu um acidente de moto e seu pé caiu. Gross, dude. O pé dele pendurado por um fiozinho de pele. Um dia, o Xavier sumiu. Ficou sem aparecer em casa alguns dias. Tinha sido preso fumando crack. Ele queria voltar pra Seattle. Fomos morar com a Kelly. E nunca mais soube do Xavier.
Fiquei pouco tempo morando em Park Slope. Briguei com Roberta e voltei pro Brasil. Voltei pro meu antigo emprego, na Job. Ela continuou por lá, trabalhando num coffee shop. Depois de alguns meses, voltou pra cá, mas não pra SP, mas sim pra BH. Ficou um mês lá com a mãe dela e voltou pros EUA. Direto pra LA.
Kelly e Charles se mudaram pra San Fran. Há uns anos atrás eu e Roberta fomos visitá-los. Continuavam brigando e dividindo todas as contas e compras. Kelly engravidou, se separou e hoje mora sozinha em San Fran. Estou com saudades deles.
Adriano // 12:57 AM
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Terça-feira, Junho 17, 2003:
Gostei dos Borderlinerz. Bastante. O show dos caras é bom. Honesto. E curto. Cada vez mais eu sou a favor de shows de no máximo onze músicas. Como nove é meu número (segundo a numeróloga da Contigo), estou na fase nove músicas. Number nine, number nine. E eles fizeram uma cover de I’m looking thru you dos bítous. Massa.
E essa noite da Larissa, do Gordo e da Vivi é um fenômeno. Em plena madrugada de segunda pra terça, umas quatrocentas pessoas bebendo como se fosse sexta feira, dançando Van Halen… sério. Eu dancei Van Halen hoje de madrugada. Ontem de madrugada, não sei bem qual a conjugação certa para esse evento, mas não importa, a pergunta é: onde eu estava com a cabeça? Van Halen não dá. Nem de brincadeira.
Mas tocou AC/DC. Vibrators. Bife com chuchu. Nem teve electro, como ouvi dizer.
O prêmio delirium tremens dessa segunda feira tão especial vai pro Supla, que no meio do show, num momento à flor da pele, pega a Carol pela mão e sai dançando CanCan pela pista. Doideras.
Adriano // 12:54 PM
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Quinta-feira, Junho 19, 2003:
diamond ring
xavier cavassos
won’t you buy me a diamond ring
i’m coming home, i wanna sing
won’t you buy me a diamond ring
i’m coming home, the pasture’s green
new york nite, the moon is all bright
new york nite, they’re talking to you
the street i’m told as the city unfolds
is stained with gold and religion too
jesus man wants you to know
don’t follow him, don’t follow men
mother mary, your gown is so white
we’ll price all my sins, what dead do i owe?
mother mary, take pitty on me
i’m just a young man with a burning soul
won’t you play me a friday night song
one about lovers and all that went wrong
won’t you write us our name in the sky
ocean starfish i wanna fly
won’t you paint us a living room blue
paint us an ocean and orange kitchen too
won’t you buy me a diamond ring
i’m coming home and i wanna sing
and i’m looking at you
and you’re looking at me
and i think that you’re smart
and i think that i’m right
and i want you to know
i’d give anything to you
but i’m put behind bars
and i’m holding the keys
and i don’t even care what people might see
when i’m standing by you and you’re standing by me
i’m standing by you and you’re standing by me
won’t you buy me a diamond ring
i’m coming home, i wanna sing
won’t you buy me a diamond ring
i’m coming home, the pasture’s green
i’m standing by you and you’re standing by me
Adriano // 7:07 PM
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Meu fígado está de mal comigo desde segunda feira. Estou com aquela dor atrás dos olhos. E ontem eu não fiz nada pra amenizar isso. Ao contrário. Dormi pouco, comi mal e bebi. Não muito, mas dei uma misturada assassina. Vódega com energético pra aguentar o tranco do frenesi dos nomes (ontem eu trabalhei na porta da Torre), gin tônica pra amenizar o desespero do frenesi dos nomes e absinto que meu amigo Raphael me levou de presente. Fiquei apavorado quando vi a garrafinha de Minalba verde reluzente prefumada de anis, a primeira e última vez que eu tomei um porre de absinto foi uma experiência traumática. Lembro que estava no Orbital, nem lembro show de quem era, comecei a tomar o verde amigo. Copo vai, copo vem, quando eu vejo, acordo na minha cama. Hmmm, pensei, que gosto de Halls. Tentei me mexer, aaaaaaah. Será que eu apanhei? (Uma vez num carnaval lá em Bragança Paulista, eu fiquei bebendo cerveja com uísque, misturado mesmo, bem mendigo, eu devia ter doze anos, foi o primeiro porre de fato da minha vida. A última coisa que me lembro foi de ter feito a coreografia de Singing in the Rain no poste em frente ao Clube Literário e ter derrubado uma fileira de umas trinta motos que nem dominó. Fui praticamente linchado, desmaiei e acordei no outro dia todo quebrado, com hematomas e uma leve lembrança do que tinha ocorrido.) Cambaleei em direção à porta, a casa estava vazia. Maurício voltou e disse que quando ele acordou, eu estava dormindo sentado na privada do banheiro de empregada, todo vomitado, eu e o banheiro. Ele me limpou e me pôs na cama. Quando ele saiu pra ir ao supermercado, meu carro estava parado na porta do prédio, janela aberta, com um vômito verde metade dentro do carro, metade escorrido pela porta afora. Ele levou meu carro pra lavar. Fofo. E um mistério: minha camiseta tinha sumido. Hmmm. Depois desse dia o porteiro do prédio nunca mais falou comigo. Imagino o meu senhor crente, domingo de manhã, azedo porque preferia estar na igreja, e eu, todo vomitado, sem camisa, com o carro também vomitado na porta do prédio, eu cambaleando, devo ter gorfado na entrada do prédio, no elevador, no corredor. E, diga-se de passagem, eu nem acho isso bonito, nem engraçado. Foi assustador. Até mais do que a ressaca em si, a pior que já tive na vida, que durou praticamente uma semana. Fiquei tomando Plasil três dias seguidos pra não vomitar a comida. Bom, mas como estava dizendo, Raphael me levou uma garrafinha de absinto, tomei bem pouquinho pra não fazer o ingrato com ele. Mas bem pouquinho, por trauma da amnésia. E a noite ontem foi bem legal. Polly, a hostess que diz tchau, ficou na porta no fim da noite comigo.
Ontem a tarde ficamos no estúdio ensaiando o Butchers. Começamos a compor pro disco novo que vamos gravar em novembro com o Tim Kerr. Bom, bom. Muito bom. Aos poucos as coisas vão voltando pro lugar.
E só uma coisa: nunca achei que uma greve de metrô fizesse tamanho estrago na cidade. Saímos do estúdio oito horas, cheguei na casa de minha mãe às DEZ. Veja bem, a pé, o trajeto demora quarenta minutos. De carro, normalmente oito minutos. Ficamos parados no MESMO quarteirão em Santa Cecília mais de quarenta e cinco minutos. Parado. Com carro desligado. E um pagode altíssimo bombando do boteco.
Adriano // 1:10 PM
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Sábado, Junho 21, 2003:
Três coisas que você que está lendo não perguntou e não vai dar a mínima:
1) Li o blog da Márcia bonita e agora eu tenho mais uma coisa pra ler todo dia.
2) Ontem foi aniversário da Debs, parabéns, meu amor.
3) Preciso ver a Clarah.
Adriano // 1:34 PM
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Dois dias depois que eu mudei o estúdio pro ateliê na Barra Funda, começaram a reformar o prédio. Querem tirar o aspecto de prédio velho de seis andares da Barra Funda, branco e verde. Parece prédio de escola, uns daqueles que tinha dentro do Madre Alix. Porta de ferro cinza, robusta, hall de chão de borracha gastada, pé direito alto, escada ampla de mármore barato. Tudo singelo, com cheiro de passado. O elevador, um caixote de madeira branca que faz um som dos Jetsons quando é acionado.
As pessoas dos cinco primeiros andares não acham que o velho prédio faça jus ao seu status comercial. São dois estúdios de fotografia, um ateliê de uns artistas plásticos que eu não conheço e um ateliê de cenografia, que ocupa dois andares do edifício. Eles quebraram a calçada, arrancaram o piso de bolas de borracha gasto, vão trocar o portão, colocar câmeras de vigilância. Provavelmente o hall vai se transformar num cubo branco, tudo de muito bom gosto, antiséptico, com linhas arrojadas projetadas num programa crackeado comprado ali no StandCenter da Paulista por derreal, anos luz da realidade, quem sabe um sofazinho branco de couro de porco com pés cromados, uma ou duas obras de arte pra deixar bem claro que no velho predinho de seis andares da Barra Funda agora só tem gente bem sucedida, de nível e bom gosto, num frenesi arquitetônico digno de fotolog. Eu arriscaria dizer até um sistema de som surround com caixinhas de som brancas penduradas no teto tocando o crême de la crême da atual música de elevador, um housezinho bem metido a besta. E para finalizar tamanha empreitada camaleônica, quem sabe gêmeas idênticas para ficar na portaria e letras cromadas para anunciar o novo nome do edifício. Maison du Barra. New York BusinessTower. Barra das Artes.
Uns quatro dias atrás, ao chegar no prédio, uma menininha dava pulos embaixo do ibisico tentando tirar uma flor. Arranquei uma que estava mais no alto, mais bonita e dei pra menina. Ela correu feliz e entrou na marcenaria que fica ao lado.
Anteontem, eu notei que tinha um pouco de terra na sala vermelha e listrada. Fui fazer meu chá, abri a porta do terraço e o ibisco estava caído ali, dois metros de árvore deitado no chão de ladrilhos vermelhos, quase sem folhas, mas com um galho e uma solitária flor, já meio murcha. Reguei as raízes, meio secas. Logo depois chega a Keila e diz que eles arrancaram o ibisco porque aquela árvore não prestava (??), mas não era pra ela se preocupar porque eles iam plantar mais quatro plantas ali. Ela ficou puta, subiu o ibisco pro ateliê.
O ibisco não prestava pro projeto paisagístico do novo prédio comercial na Barra Funda, de frente pra onde construíram quatro espigões de vinte e cinco andares, quatro apartamentozinhos de três dormitórios por andar e uma garagem anexa maior que o shopping Ibirapuera, cujo nome é Cores Da Barra. Será que o povo do predinho confundiu essa Barra Funda pintada de Cores tons pastéis pra disfarçar o cinza do céu e do asfalto com a Barra da Tijuca? Seriam essas quatro plantas prometidas bananeiras? Ou palmeiras? E será que eles chamam o trem que passa ali nos fundos desse condomínio classe média baixa de metrô?
Espero que o ibisco aguente mais alguns dias, vou pagar um carreto e trazê-lo aqui pra Jandira pra plantá-lo de frente pra minha janela.
Adriano // 1:24 PM
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Achei a fita com as músicas do Xavier. E achei a master do Pussiest também. Fiquei passando pro computador ontem umas coisas, tem uma versão do Pussiest de “ando meio deligado” com “vim e azedei” do ultrasom, bizarro.
E como já era de se esperar, como tem show hoje e amanhã, acordei gripado. E eu me gabando que não tinha pegado gripe esse ano, acho que estou com sars. Uh. Mas vão lá nos shows, hoje no Juke Joint lá pelas duas da manhã, amanhã no Parque do Ibirapuera, na Assembléia Legislativa, às quatro da tarde. Antes tem Objeto Amarelo e depois Garage Fuzz.
Adriano // 12:55 PM
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Segunda-feira, Junho 23, 2003:
Foi bom enquanto durou, Júnior.
AZE70. Foi lá que eu conheci o Júnior. Ele era a bicha mais montada depois do Johnny e do Cacá di Gugli. Trabalhava no brechó, que ficava no andar de cima e era de Bebete, Amostra Grátis. Lá comprei manic panik pela primeira vez e num sábado à tarde Júnior pintou meu cabelo lá mesmo, no porão. Isso foi em 93. Dez anos atrás. (Vinte anos atrás agora.) Foi lá ainda que eu e a Ana conhecemos a Roberta. E a Ida. E a Amanda. Amanda tinha treze anos, Ida era gerente, Roberta era a porteira mais grossa do mundo. O Pil achava graça e foi lá que ele a convidou pra ser hostess do Réus. E ela falou que só ia se a Ana trabalhasse com ela. Roberta morava com a Luma, num cafofo lá atrás do Shopping Morumbi. Íamos sempre lá. Eu, Ana, Amanda. A Luma comia o Tremendo, que uma vez foi preso na porta do AZE70 por ser menor e estar bebendo. Lá fui eu, o Fábio e a Amanda tirar a criança da cadeia. Ele beijava todo mundo na boca e todos faziam fila. Eu também beijava todo mundo, a Ana também. E no primeiro Réus com Ana e Roberta na porta, Ana não foi. Nós tínhamos ido no show do Ratos de Porão e Ana bebeu demais e desmaiou. Eu acabei indo. E lembro que o Paretto tocou um remix de Boy/Girl do Blur. Mas eu gostava mais de ir no Samanta Santa. Lá os amigos tomavam ecstasy e ninguém tinha vergonha de ouvir hard trance. Lembro da camiseta que a Zapping fez pra inauguração do Samanta Santa, eu troquei a minha com o Júnior e alguns anos depois dei a camiseta pro mendigo que morava na rua de casa. E lembro do ponche que eu, a Ana, o Nenê e a Maria Eduarda fizemos pra inauguração. Duas cartelas de ácido. Depois na correria da festa, esqueceram a bebida lá no escritório. Eu e Ana tomamos meio pote e até hoje eu não tenho certeza se beijei mesmo a Elke Maravilha. Acordei no dia seguinte com a falecida gata do Xu, BabyJane, dormindo em cima do meu rosto, atrasado pro trabalho.
E um dia o AZE70 virou 8a.DP. E lá eu vi um show do Auto. Cacá organizava as Dragas lá, com shows, artes plásticas, bebida. O Júnior foi uma vez e não gostou da reforma que fizeram na casa. Bagaceiro, né bicha? ele não parava de falar.
Um dia, o Júnior parou de sair. Só o encontrava esporadicamente, ao acaso, na rua, de dia. Disse que tinha comprado um apartamento. Que estava trabalhando num lugar careta, que estava feliz. Eu reclamei que a noite estava chata, que eu não achava mais graça na cena. Quem ainda aguenta festa a fantasia no aniversário do Réus? Rave da lama maldita? Não, Júnior, ninguém merece, eu disse pra ele.
Hoje me contaram que o Júnior morreu…
Pois é, Tércio. Um dia foi muito bom.
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Maldita aids.
Adriano // 11:29 PM
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Estou podre. Podre, podre de marré marré de si. Estou à base de paracetamol, usado em duas fornas: comprido e sachê. O comprimido tem 750mg, o sachê tem 500mg mais ácido ascórbico e um suave gosto de mel e limão. De manhã tomo um coquetelzinho de pílulas dignas do falecido Alfred. Centrum, ácido ascórbico, vitamina E, complexo B, cálcio, ferro. Apesar do Centrum em si ter todas essas outras coisas, eu prefiro ter uma overdose química e conseguir sair de casa. Pra completar minha tabela periódica matinal, eu tomo um sachezinho de Fluimucil 600mg sabor laranja. Esse é uma merda de preparar, você joga na água e desce tudo pro fundo, tive que desenvolver uma técnica especial para conseguir tomá-lo. É so mexer com a colher muito rápido e tomar enquanto o singelo redemoinho ainda vive no copo. Pronto, alguns minutos e uma sensação de bem estar toma conta de mim e eu consigo pensar em tomar banho e me trocar e vir pra SP.
Sou um hipocondríaco feliz leitor de bulas e sofredor compulsivo de todos os efeitos colaterais descritos nas embalagens. Paracetamol: hepatotóxico em alcoólatras crônicos podendo ser também nos casos de ingestão concomitante ao álcool. Ops. Pessoas alérgicas ao produto podem apresentar eritema pigmentar fixo. Uh.
Estou sem voz também. Estou falando daquele jeito irritante, meio sussurrado, meio gemendo, típico de quem está fingindo que está doente. Isso eu sei porque eu costumava fingir várias doenças pra faltar no meu antigo emprego. Agora que não tenho que fingir nada, pronto, cá estou com voz de velho moribundo.
Amanhã abre a exposição do Maurício, da Didi, do Léo, da Gi e da Kiki na Galeria Vermelho. Espero estar melhor.
Adriano // 12:27 PM
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Terça-feira, Junho 24, 2003:
Hoje estamos bem melhor, ela rotulou numa foto. Era uma pb, com margens amareladas. Estavam os dois na entrada de uma casa, havia um jardim com flores. Talvez fosse na casa dos pais dele em Bragança. Devia estar frio, ela estava de gorro, ele de luvas. A careca nem dava sinal de existência, era uma cabeleira e tanto. Fiquei com um pouco de inveja, mas logo esqueci. Os olhares, ingênuos. Se eu esquecesse o que hoje sei a respeito do passado deles não sei se identificaria aquele brilho. Então era tudo verdade. Não podia ser diferente. Ela ia mesmo ser freira. E ele fugiu do pai fazendeiro engenheiro agrônomo pra fotografar na cidade e acabou morando de favor na TFP, fingindo achar tudo aquilo natural. Tudo se encaixa perfeitamente, desde a legenda, o amarelado da foto, a urgência de explicitar a situação atual. Eu não sei se sou capaz, estou fazendo de tudo para poder ter o direito um dia de sentir isso, mas ao mesmo tempo não sei se desejo envelhecer até lá. Às vezes acho que isso tudo não passa de um teste. Que eu vou indo muito mal, diga-se de passagem, logo vão mandar eu desistir de tentar, ei garoto, você estragou tudo. Ah, vá, me erra. Posso estar delirando de febre agora, pode ser sars, pode ser o influenza, quem sabe se eu tivesse tomado a vacina não estaria padecendo dessas vertigens morais agora nesse momento, quem se importa? Whatever. Tomei meu sachezinho hepatotóxico. A cama está gelada, hoje estou sozinho por aqui. Merda. Vou colocar as gatas por lá pra dar uma esquentada, quem sabe eu consiga deitar sem ter um choque térmico. O aquecedor derreteu a tomada, tenho medo de atear fogo na casa. E hoje eu senti falta de meus bichos queridos, cheguei e abracei o Hugo, meu boxer retardado, peguei a Yoko no colo, a vira latas que eu tirei da estrada debaixo da chuva, dei biscoitos pro Joaquim, o whippet misturado com vira lata que engordou depois de castrado. Meu quarto, nosso quarto, a cama, eu quero morrer nessa cama, desaparecer nas profundezas dela, pular no fofo de edredons brancos e sentir cair, cair, nossos travesseiros aparando meu sono leve, pontuado de latidos de cachorros e estalos assustadores de madeira. Acordar num sábado ensolarado repleto de expectativas. Eu quero fazer jus a esse álbum de fotos, honrar toda a existência registrada ali, cada foto e cada legenda que ela escreveu estão marcadas em minha alma e nada que eu tente fazer vai mudar isso.
Vou deitar agora.
Adriano // 1:04 AM
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Segunda-feira, Junho 30, 2003:
Então voltando alguns parágrafos atrás, vou escrever sobre Los Hermanos. Conheci Los Hermanos há muitos, muitos, muitos anos atrás, numa lista de discussão chamada e-zine. O Camelo assinava, acho que o Amarante também, não lembro ao certo. Eles eram panques românticos, anos luz antes dos emos darem sinal de existência aqui pra baixo do equador e estavam gravando uma demo. Boa demo, já tinha a fatídica Ana Júlia que os catapultaria às estrelas.
O caso é que eu nunca gostei muito do som deles. Pra falar a verdade, depois da demo e depois da massificação de Ana Júlia, fiquei com um pé atrás. Depois vieram as barbas e o Bloco de eu sozinho. Opa, bom título. Todo carnaval tem seu fim. Prestei atenção. Tirando toda a casca de Weezer (bom, quem tem dinheiro que compre um minimoog, pau no cu do weezer…), sim, respirava algo novo. Alguém que cresceu ouvindo Chico Buarque e Lou Reed. Cartola. Mutantes. E o principal, sem aquele bom humor canastrão que acomete a maioria das bandas que opta pelo português como língua mãe. Vi o clipe de Fingi na hora Rir. Puta que o pariu, morri de inveja. Cobicei. Senti aquela vontade de ter gravado o clipe pra ficar revendo ad libitum, senti orgulho pelos caras.
Ontem fiquei vendo o especial com eles na mtv. Eles são o exemplo mais bem sucedido de crescimento enquanto banda que eu tive notícia nos últimos tempos aqui no Brasil. Eu lá no quarto de hotel em BH vendo os caras que são meus contemporâneos, nossas bandas tem a mesma idade, compartilhando com eles algumas situações parecidas (cada qual com sua devida proporção) pela tv. É muito bom estar numa banda. De ver que tem gente que também está numa banda pelos mesmos motivos que você, e conseguir crescer fazendo o que você gosta é tudo o que deveria valer a pena.
Vou sair e comprar o Ventura e o Bloco do eu sozinho. E vou estar lá no próximo show que os caras fizerem por aqui. Só quem gosta mesmo de música pode entender isso tudo. Música. Não moda . Não tendência. Que no fim até fazem parte do universo musical, mas não passam de acessório que serve pra deixar bem datado, quase ridículo, que nem uma polaina que de vez em quando aparece pra fazer uma gracinha que só funciona em casos bem específicos. Música transcende isso. Um bom disco vai ser um bom disco para sempre e pronto.
Adriano // 3:15 PM
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Uh, que frio. Vida de preto é difícil, vida de pobre é uma tristeza e viajar de Cometa para beuzônte é a opção mais mendiga que alguém pode ter. Oito horas dentro de um frigorífico guiado por um louco anfetaminado. Motorista, será que o senhor podia aumentar a temperatura do ar condicionado? O, sô, qui tá iscrít´dizôit´ graus, lá fór´ tá marrcân´ dôz´graus, siêu dzligá ess´trêm qui vai fcá friiio dmáis. Bom, vai ver que exista alguma lei da física que eu desconheça, mas a sensação térmica dentro do ôns era de oito graus. Resolvi não discutir, tirei todas as malhas que eu tinha na mala e me enrolei como fazem os sem teto embaixo dos viadutos da 23 de maio.
Chegamos em belzônte às duas da manhã de sábado. Nos aventuramos pelas adjacências da rodoviária atrás de uma farmácia. Nem vou perder meu tempo reclamando que o Visa Electron não passou e que a atendente esqueceu de me vender o cartão telefônico apesar de eu ter pedido umas oito vezes. Okidoki. Voltamos pro hotel e liguei pra Raphael. Estava num lugar chamado Josefine (ou Josefiné, não sei ao certo), fui eu e Jonas lá encontrar com ele. Do lado do Café com Letras, a meca dos descolés universitaires, ou seja, o lugar mais tenebroso que eu já fui. Chegamos na porta, crianças mendigas vendedoras de chiclete tentaram nos vender os flyers da festa. Nú, sô, co´iss qui c´pág´déiz d´entrád. Sap: com flyer, cinco de consumação, dez de entrada. Eles queriam nos vender a bobagem por três reais, ahn. Não, obrigado. Comprar flyer de criança mendiga vendedora de chiclete dá azar, é pecado e eu nem tava afim. Comprei um chicletinho pra criança ficar feliz.
Entramos na boate. Encontrei Raphael, Renata Rocha e Tremendo. Gil Bárbara estava tocando e eu presenciei algo que nunca tinha visto: bichas com panos tye dye esvoaçantes faziam a coreografia de Lokomia freneticamente em cima de palquinhos ao lado da cabine. E não, não eram gogo boys contratados da boate, eram pessoas comuns, da pista, que se revezavam e tiravam seus paninhos do bolso, estrategicamente dobrados. A pessoa subia, ficava algumas músicas, e já tinha outra esperando a sua vez. Algumas emprestavam o paninho pras amigas, sim, eu e Rocha vimos essa cena fraternal, o amigo passando o paninho pra frente. Comungar o paninho era a ordem da vez. Jonas ficou um pouco apavorado quando viu três barbies sem camisa encostadas no bar. Fria, Jonas. Ficamos lá um pouco e fomos embora a pé de volta pro hotel.
Acordamos sábado na hora do almoço, fomos comer no mercado central com Rocha. Tem uns árabes lá que fazem um puta sanduíche. Voltamos pro hotel, fomos passar o som. O Lapa Multshow é algo como se o Aeroanta tivesse cruzado com o Olympia. Passagem de som mais rápida e profissional que eu já fiz na vida.
Voltamos pro hotel, ficamos lá assistindo um especial com Los Hermanos. Depois eu escrevo sobre isso mas eu fico feliz de eles existirem. Fomos pro show. Encontrei com TimTim e Mariana, contei que tinha ido no Josefiné (vai, mais legal com esse acento no e, uma coisa fina). E ele perguntou se ninguém tinha me enchido o saco. Parece que aquele meu texto a respeito daquele premiozinho Jeca Tatu do Portal Uai foi parar numa lista de discussão da cena eletrônica belorizontina e causou uma comoção monstro. Parece que as Pessoas Doçura se reuniram com as Pessoas Saudades e articularam um manifesto com os concorrentes a Jogação na Pista juntamente com as Pessoas Revelação e a maioria chegou a conclusão que eu, um outsider da cena, não tinha direito algum de chochar tamanhos feitos. Certo. Quem sabe vocês deveriam fazer uma categoria Pessoa Paninho, ou Melhor Design de Pano, ou Melhor Coreografia Têxtil. E vão por os pães de queijo no forno, passem um café ou simplesmente esquentem a água pra eu fazer um capuccino três corações que eu tô com pressa. Sabendo disso, perdi até a vontade de ir ver o Nego Moçambique numa festinha intitulada Remédio (remédio, química, tabela periódica, pastilhas, piada interna de designer clubber). Tocamos, fiquei com preguiça e voltamos pro hotel.
Domingo fomos almoçar em Macacos com Sabrina e Fabiano. Nos levaram num restaurante incrível, passamos a tarde lá comendo comida tailandesa e falando da vida.
Cheguei aqui em sp as quatro da manhã de segunda, hoje mesmo. Tenho algumas trilhas pra fazer, contas pra pagar. Vou começar tomando um belo de um banho.
Adriano // 1:25 PM
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Terça-feira, Julho 01, 2003:
(Uma coisa: vamos celebrar o que nos pertence, afinal, se não fizermos por nós mesmos, quem fará?)
Adriano // 4:08 PM
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(E uma coisa: eu gosto dela. Um pequeno momento tecla sap: como ousaria eu criticar algo que, ao meu ver, tem em seu desserviço tão somente um fruto de mal entendimento quando quase sempre eu mesmo jogo minhas idéias no vento esperando que alguém vá compreender? Falta um pouco de culhão para não se levar a sério demais. E isso pra mim é o maior trunfo da EP. Obviamente és responsável por aquilo que cativas, de boas intenções o inferno está cheio e blábláblá, meu cu, mas tenho fé que um dia, no dia que tudo isso se transformar numa bela polaina, as pessoas vão entender toda essa época de mudanças na sabedoria contida num simples ¨se joga, bi¨.)
Adriano // 3:56 PM
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Bom, todo mundo chocha, mas todo mundo lê. Não estou falando do meu blog, que todo mundo lê (lê mesmo, você aí lendo agora, viu só) mas sim da Erika Palomino. Pronto, lá foi ela delirar mais uma vez sobre o futuro mais moderno do momento, a tribo de maior expressão do mundo de sp, as pessoas mais bem vestidas, antenadas e doidera da terra no brasil, os electro rockers, o supra sumo da sincronia com a atualidade inglesa, e pronto. Todo mundo chochando, inclusive eu, não consigo ficar imune a um ¨se joga bi¨escrito com todas as letras num jornal metido a besta como a Folha. Quem mais consegue conjugar hedonismo com engajamento, oportunismo com ingenuidade, ecologia com imperialismo com tamanha precisão aritmética, resultando na triste constatação do eminente e contemporâneo declínio de todos os campos da civilização ocidental?
Pode até ser sem querer, mas daqui há vinte anos, a obra dela vai ser referência. Antropológica. Policial. Enquanto isso, ao registrar toda a fugacidade de nossa cultura, ela vai aos poucos a transformando de acordo com aquilo que registra, num paradoxo que envenena quem se deixa levar pela esperteza fácil de um ¨se joga, bi¨.
Adriano // 3:06 PM
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Quarta-feira, Julho 02, 2003:
(Só mais uma coisinha a respeito de Erika Palomino, afinal vieram comentar o que eu escrevi e parece que ninguém entendeu: ela é a única jornalista da Folha, tirando os que escrevem em colunas específicas a respeito de bandas-nova-bandas-demo-bandas-independentes no Folhateen, que perde seu precioso tempo escrevendo a respeito de bandas brasileiras e cedendo espaço num veículo de grande porte como a revista moda ou a Folha Ilustrada. Isso porque ela é em primeira instância uma jornalista de moda. Ou seja, ela faz o que jornalista “importante” nenhum faz. Agora, vir reclamar que ela favorece certa turma é problema de auto estima de brasileiro. Obviamente é legal dar uma chochadinha aqui, outra acolá, mas quem tem culhão de fazer o que ela faz? NINGUÉM.)
Adriano // 1:20 PM
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Quinta-feira, Julho 03, 2003:
Mendigos fashion. Uou uou. Acabei de fazer essa música. Se chama Mendigo Fashion e dedico a todas as pessoas que vão ao SP Fashion Week mendigar pra entrar nos estandes atrás de champanhe e brindes. Só tiro dessa minha avozinha Ida Feldman, afinal de contas, ela faz tudo isso por puro prazer de ser bagaceira e rir da cara das hostess frustradas que por falta de opção trabalham na porta desses estandes rezando pra ter uma chance melhor na próxima estação.
Fiz aproximadamente umas nove trilhas de desfile essa estação. Sabe quantos desfiles eu vi? Nem um. Nem um, Agenor. Nem unzinho. Fui lá entregar as trilhas, fiquei um pouquinho no camarim, comi quitutes meia boca, tomei cafezinho daquela maquininha San Babila, até ia ver os desfiles do Alê, mas nem ia esperar o atraso de duas horas. Ai, tenho mais o que fazer, tenho músicas pra compor, tenho minha mãe pra visitar. Vejo depois pelo site, da Erika ou no Chic mesmo.
E hoje, indo contra meus princípios, fui com a Ida no estande da Vivo. Vem, bobo, eu falo que você é meu namorado e a gente entra. Ahan, sei. Tá, fui lá com ela, quem sabe, who cares, meu cu. Duas mocinhas magrinhas modelos de agência de promoção estavam na porta, torcendo para parecer que elas valiam mais de trinta reais por dia, portando super poderes giselebundchenísticos nas costas retas, na cara azeda. Foi uma patada atrás da outra, um chute no fígado por dentro. A mocinha chegou a chamar o segurança me acusando portar um crachá roubado, o fim. Ela mexeu todos os pauzinho que tinha na mão pra impedir que Ida entrasse, apesar dela ter um crachá de imprensa e eu um crachá de DJ. Eu nem queria mais entrar. Por fim chamou a gerente do estande. “Oi, Ciça. Tudo bem?” falei. Oi, “Adri! Quanto tempo! Entra, vamos tomar um drink!”. Ahan. Passei reto, tropecei no Lulu Santos que saía e ele caiu por cima da hostess malvadona. Fiquei dois minutos, Ida me deu uma taça de champanhe que eu nem bebi. Deixei pros Mendigos Fashion. Eles precisam dela mais do que eu.
Adriano // 10:09 PM
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Sexta-feira, Julho 04, 2003:
Quando acontecer, eu quero tomar três comprimidos de Lorax e sumir. Quem sabe ficar num quarto de hotel por algumas semanas sem dar notícia pra ninguém pra eles acharem que eu morri também. Vou ficar sem comer uma semana, pra sentir o corpo chegar no limite do mal estar, porque eu nunca mais vou querer me sentir bem. Quem sabe eu consiga subir num ônibus e ir pra Buenos Aires, ficar sentado alguns dias sem tomar banho ouvindo a mesma fita no walkman, chegar do outro lado do continente sem conhecer ninguém, quem sabe eu tenho ânimo de fazer isso. Porque o dia que isso acontecer, eu vou estar sozinho. Eu vou ser livre, se quiser me matar me mato, se quiser virar mendigo eu viro. Se quiser assaltar um banco, quem sabe, eu faço o que bem entender. Não vou ter mais pra quem pedir abrigo. Nunca mais vou ter colo de verdade. Quem sabe eu vou entender mais as coisas da vida, sem essas comodidades implícitas que eu tenho por inércia. Plano de saúde? Sem condição. Um quarto imaculado, com toda a minha vida pintada na parede? Isso já foram me tirando aos poucos, primeiro pintaram a parede, pediram pra eu esvaziar os armários. Leve suas coisas, ele disse, precisamos tocar a vida. Céus, quero minha parte em dinheiro, nem que precise entrar na justiça. Hoje caminhei pela rua e tive uma briga mental com ele. Quando ele pediu que eu levasse minhas coisas embora, respondi que tirasse tudo de lá e jogasse no lixo. Jogue tudo no lixo, mexa em todas as minhas coisas com suas próprias mãos, recolha todo o meu passado do armário, ponha tudo num saco de lixo e coloque na rua você mesmo. Se você quiser, eu nunca mais volto aqui, provavelmente não vou mesmo. O dia que acontecer, eu nunca mais volto lá. Não tenho porque. Talvez se eu morasse nos estados unidos, eu pudesse processá-lo por danos emocionais. Mas nem vou perder meu tempo, eu quero esquecer tudo isso, parece que agora, perto dos trinta anos, minha vida está começando de verdade. Não tenho emprego, não tenho carro, logo não terei mais família. Quem sabe muito em breve eu não tenha mais banda também, mas por outro lado, sou muito bem casado, tenho um estúdio, tenho seis bichos pra cuidar. Tenho um punhado de boas músicas compostas, das quais eu me orgulho suficientemente pra saber o que fazer com elas. Talvez eu arrume um emprego. Talvez, porque se eu conseguir me sustentar através do meu estúdio, eu não quero nem saber. Só sei que ultimamente tenho tido vontade de sumir. De dormir e nunca mais acordar pra esse pesadelo que parece cada vez mais tomar conta da realidade. Assistir o fim de uma era, mesmo que uma era particular, e pior, pessoal, dá uma sensação de passividade horrenda. Não adianta comer bem. Não adianta tomar vitamina. Não adianta levar uma vida saudável. Agora é torcer pra química fazer sua parte, quem sabe? Quem acredita em milagre? Eu não. Posso até dizer que sim, quando estou muito assustado, esperando a sorte fazer a moeda cair com a cara pra cima, mas na verdade, eu não sei de nada sobre milagres. Sei que tenho um azar do caralho alado. E sei que nada, nada, nada vai fazer a física operar de trás pra frente. Eu estou jogado no meio do mar do karma ruim, sorte que eu sei boiar. E pra falar a verdade, no fundo, eu já sabia que um dia isso tudo ia acontecer.
Bá. Quanto será que custa uma passagem pra Buenos Aires? Quem sabe Los Angeles. Mas por lá as coisas iam ser muito fáceis. E eu não vou querer encontrar ninguém que eu conheça de qualquer forma… Só quero levar comigo minha caixa de fotos, meus álbuns de fotografia pra lembrar que um dia, mesmo que por um curto período, as coisas pareceram normais. Até o dia que acontecer, vou lutar pra fingir isso. E no fim, ela não teve culpa de nada, apesar de eu ter certeza que foi a culpa que enfiaram no peito dela que a deixou assim. Malditos. Isso não se faz com ninguém. Ainda bem que não vou ter filhos. Não quero perpetuar tamanha tristeza.
Adriano // 8:44 PM