Isso de novo?

Adriano Cintra
18 min readMar 19, 2020

Eu tenho uma bola de cabelo que mora dentro do meu estômago. Na maior parte do tempo esqueço que ela vive ali, ela dorme e eu consigo viver normalmente: semana retrasada cortei o dedo ao cozinhar, alguns dias antes consegui correr doze quilômetros em uma hora na esteira, tenho trabalhado nos dois discos que estou a produzir enaquanto acompanho a masterização de outro o qual já terminei de mixar, estou fazendo o curso de massoterapia e de Medicina Chinesa para ter o certificado português e poder trabalhar, tenho lido e praticado meditação. Consegui finalmente encontrar onde se vende um bom zafu aqui em Lisboa, deixei o meu em São Paulo por motivos de não conseguir enfiar aquele trambolho de quatro quilos dentro de uma mala pra trazer pra cá. Curiosamente, o ateliê da senhora suíça que o faz fica a dois quarteirões daqui de casa.

zafu preto no tapete cinza
www.zafu-futon.com

E então, sábado passado, a bola de cabelo acordou e ficou entalada na minha garganta. Mas antes eu preciso contar da última vez que isso tinha acontecido: foi em novembro de 2019, quando eu estava no Brasil e tentei em vão ver o show de revival do CSS que aquelas meninas de quarenta anos fizeram no festival Popload, com as músicas que eu compus acompanhadas no palco por gravações minhas tocando toda a parte eletrônica.
Alguns dias antes do show, escrevi para elas falando que uma vez que eu estaria em São Paulo por motivos burocráticos, eu achava que seria uma boa oportunidade para nos encontrarmos depois de tantos anos. Ainda frisei que não precisava ser no dia do show, podia ser antes ou depois em algum café e mesmo que elas não quisessem me ver, eu adoraria vê-las tocar. Surpresa, elas nunca me responderam.

Esse assunto do CSS pra mim estava morto e enterrado. Àquela altura, em novembro de 2019, fazia oito anos que eu havia me desligado da banda e nesse tempo eu produzi muita gente legal tipo o Jeneci, o Pethit, o Jota Quest, a Bruna Mendez, a Dani Vellocet. Fiz dois discos da Tiê muito bem sucedidos. Compusemos a música mais tocada na rádio em 2015 (“A Noite”), depois em 2017 compus com ela o tema romântico da Malhação Vidas Brasileiras (“Mexeu Comigo”). Tive um projeto com a Marina Vello do Bonde Do Rolê, o Madrid, lançamos um álbum e um EP e fizemos duas turnês pela europa. Eu e o Carlos ressuscitamos o Caxabaxa e gravamos algumas das melhores músicas que já fizemos. Eu lancei uns quatro discos solo mais um punhado de EPs. Em 2018 fiz um curso técnico de massoterapia no Senac, estudei acupuntura na Ebramec e no final daquele ano, quando o Bolsonaro ganhou o segundo turno da eleição pra presidente, eu me mudei pra Lisboa onde estou até hoje.

Em 2017, acredito que por conta desses assuntos do CSS mal resolvidos aliados a um estresse com meu trabalho de produção, eu desenvolvi uma doença auto imune e quase morri. Nesse processo de me curar, acreditei piamente que havia conseguido transmutar a bola de cabelo num disco chamado Nine Times, no qual escrevi uma música chamada So Sorry onde pela primeira vez eu falava a respeito de algo que aconteceu na época que saí da banda:
“Oh baby, I’m so sorry… I got sick and I made up some stories”.

No início de 2011 eu descobri que estava doente. A banda estava em turnê e eu protelei o máximo que consegui a minha ida para o Brasil para me tratar. Não dei a elas detalhes a respeito do que eu tinha por se tratar de um assunto pessoal e à época um tanto chocante para mim, mas frisei que estava doente e que tinha que ir pro Brasil para ir ao médico. Já era outubro e tiveram que contratar um baixista substituto até eu voltar uns dois meses depois.
Algumas semanas após minha chegada em SP, no dia 11/11/11, recebo um email dizendo que não iam mais me pagar o salário da banda porque eu havia abandonado a turnê (depois soube por uma amiga que vendia merchandising na tour que elas diziam que eu inventei uma doença para fugir pra SP, que eu não estava mais gostando de viajar e tocar e estava infeliz então era melhor que nem voltasse mais) e como eu não dividia meus royalties de compositor com a Ana, a Luíza e a Carol, não fazia sentido elas me pagarem o salário já que eu já ganhava muito dinheiro por “outros meios”. “Outros meios” esses que no caso lhes provinham de músicas para tocarem nos shows com os quais elas ganhavam um salário e tinham algo pra fazer de suas vidas, como por acaso dizerem que eram artistas.

O fato é que a Ana, a Carol e a Luíza queriam que eu (e provavelmente Lovefoxxx) dividíssemos nossos royalties de composição com elas, o que não fazia nem faz o menor sentido. Elas nunca se envolveram na criação das músicas (Luiza Sá ainda ajudava quando eu pedia muito, completou algumas letras aqui e ali e no último disco me entregou uma música pronta muito boa que não chegou a entrar no disco chamada “Cats”). Elas também quase não gravaram nos discos (a Carol era mais participativa em estúdio mas isso não queria dizer que ela devesse ganhar como compositora. Carol tem uma parte da composição de Alala por simplesmente ter encostado no teclado e tocado três ou quatro notas na hora que eu gravava o solo barulhento de sintetizador daquela música e eu fui muito ingênuo de ter dado algum crédito de composição a ela por isso). Pra elas eu era muito ganancioso (e a Lovefoxxx não?) de querer receber pela composição da minha obra e não dividir isso com elas. Não bastava eu compor músicas pra Lovefoxxx escrever algumas letras (porque várias letras fui eu quem escrevi) e melodias (porque algumas melodias fui eu quem mandei a ideia para ela escrever a letra por cima; ela nunca mandou uma ideia de música para mim, fui sempre eu quem mandava ideias pra ela completar) e no fim disso tudo elas (Ana, Carol e Luíza) terem uma banda bem sucedida pra ficarem viajando pra lá e pra cá posando de artista. Elas queriam muito mais.

Quando eu recebi aquele email eu fiquei em estado de choque e pedi pra sair da banda. Eu não estava bem, tinha começado a fazer um tratamento com um remédio cheio de efeitos colaterais e o primeiro deles foi ter tido catarata nos dois olhos. Fiquei cego de um olho e perdi 45% da visão do outro. Eu ficava constantemente enjoado, minha cabeça parecia que ia explodir, eu não conseguia dormir, eu tinha crises de pânico constantes. Eu tava bem louco. Fui ao psiquiatra e comecei a tomar quetiapina. E durante esse processo, elas se recusavam a falar comigo e negociar coisas básicas como o pagamento do valor combinado pela produção do terceiro disco da banda. Depois de muito custo me pagaram um valor que inventaram, sabendo que eu tinha que pagar pelo aluguel de um ano do estúdio onde gravamos, pagar por equipamento que compramos pra gravar o disco, pagar os músicos que gravaram no disco, pagar pelos setups dos instrumentos e ainda por cima pagar os advogados para mediar a negociação sobre minha saída da banda com elas… Elas nem sequer quiseram combinar de devolver meus instrumentos, pedais e objetos pessoais que estavam em turnê. Se recusaram a chegar num acordo a respeito dos backing tracks que continham propriedade intelectual minha que usavam nos shows, tinha até minha voz fazendo backing vocal. O empresário delas dizia apenas “você não pode as processar pois mora no Brasil e elas nos EUA”. Meus advogados concordavam, não havia quase nada a fazer.

Eu quis morrer, pensei várias vezes em me matar (na verdade eu tentei me matar, claramente não fui bem sucedido, uma hora vou contar isso). Voltei ao psiquiatra e contei pra ele que só conseguia dormir planejando meu suicídio e ele aumentou a dose de quetiapina pra um ponto que eu nem consigo lembrar direito dessa época. Sei que num certo momento elas me mandaram um distrato que eu assinei após desistir de brigar com elas e com os meus advogados enquanto tentava simplesmente não morrer ou me suicidar. Segundo o distrato, eu abria mão de tudo: eu liberava as backing tracks pra elas usarem e afirmava que elas não me deviam nada. Gastei uma fortuna de advogados para assinar essa merda e entregar a elas tudo que elas queriam.

Eu não sei como isso se chama pra você que está lendo, mas a minha mãe me ensinou que fazer isso com alguém doente e desequilibrado emocional e psicologicamente se chama abuso. Eu fui abusado no pior momento da minha vida por pessoas que supostamente eram minhas amigas. Quando me pagaram o valor que inventaram pela produção do La Liberación,paguei tudo que eu devia, paguei os advogados e não me sobrou quase nada. Eu não tinha dinheiro pra pagar a cirurgia dos olhos, fiquei quase um ano cego. Eu tinha muita raiva e a raiva me deixava mais doente. Pra não passar raiva eu concordei comigo mesmo que tudo que havia acontecido era minha culpa, talvez se eu tivesse contado a elas o que eu estava passando, qual era meu problema, as coisas teriam sido diferentes e nesse turbilhão de emoções contraditórias, fui acometido por uma síndrome de Estocolmo muito maluca e comecei a pedir desculpas a elas, que haviam sequestrado minha consciência e minha propriedade intelectual. Mas elas nunca me responderam, acho que estavam muito contentes de terem se livrado de mim. E continuaram a fazer shows usando até minha voz de backing vocal fingindo ser uma all gurrrrrrrrl band.

Eu sonhava constantemente com elas. Que eu as encontrava e nos abraçávamos e chorávamos todos e eu acordava e chorava de verdade, era extenuante. Eu sentia uma tristeza tão densa que parecia que eu podia raspá-la da minha pele, me pesava nos braços. Foi muito difícil viver os anos seguintes à minha saída da banda, tomei muito remédio, tinha ataques de pânico. O tempo, o trabalho e os remédios foram se encarregando de deixar tudo mais leve, mais compacto, até que o que sobrou foi a bola de cabelo no estômago, uma doença auto imune e muitas músicas. E uma lição muito cara: mantenha distância de advogados.

Oi bloblifloxlllis tamboua? Ta em sp? Vamo tomar sorvete apesar de que eu não posso to maior doente de novo to pesando 69 quilos.

Esses anos todos eu eventualmente mandava emails para a Lovefoxxx. Dizia que sentia falta dela, que esperava que estivesse bem. Que pensava com muito carinho nela, que gostaria que um dia ela me respondesse. Durante anos nunca respondeu. (Mentira, uma vez em 2014 ela me respondeu super grossa, escreveu “A vida continua e eu não tenho mais espaço pra você acontecer de novo”, que eu e o Carlinhos transformamos na música “Dinovo (Amigo Só De Chapéu)” do Caxabaxa). Até que no dia 24/03/2017, quando eu já estava com muitos sintomas da doença autoimune que desenvolvi, escrevi pra ela e ela me respondeu. Me chamou para encontrar na praça Buenos Aires, na avenida Angélica. Fui lá ter com ela, passamos a tarde chorando abraçados e foi muito bom. Me contou da sua vida, eu contei da minha. Mantivemos algum contato depois, mas ela se mudou pra Santa Catarina e sumiu. Esse dia ela me deu dois quadros do CSS, que estão guardados com muito carinho lá em Bragança Paulista.

No verão do ano passado ela reapareceu no Instagram e trocamos algumas mensagens novamente. Durante quatro dias nos mandamos vários áudios, ela me contou de sua vida, eu contei da minha pra ela e de novo, tudo muito intenso e rápido. Ela me contou como estava sendo sua vida na praia, como ela coletava água da chuva pois no terreno que havia comprado não havia fonte de água, como fazia para lavar as roupas, e que estava escrevendo música de novo. Eu disse que ficava muito feliz com isso e que se ela precisasse de qualquer coisa, inclusive ajuda pra fazer alguma música, que eu adoraria ajudar. Ela agradeceu, trocamos mais algumas mensagens e, como de costume, ela desapareceu.
Os posts do Instagram dela chamaram a atenção de um conhecido meu, que é A&R da Universal e pediu o contato delas. Como Lovefoxxx não havia respondido minha última mensagem no Instagram, não quis forçar a barra e escrevi pra Ana. Eu e ela havíamos trocado vários emails a respeito de negócios da banda, desde contratos da empresa CSS, conta de banco, o lançamento do primeiro disco no Spotify do Brasil e até sobre o lançamento da primeira demo da banda no Spotify. Falei pra Ana que um amigo A&R viu no Instagram da Lovefoxxx que elas estariam escrevendo material novo e caso não tivessem gravadora, se elas gostariam de conversar com ele. No mesmo email falei que tinha conseguido reunir as demos do CSS e que logo menos ia subir pra distribuir pros streamings . Ela respondeu, trocamos mais um email e tudo parecia tão normal e tranquilo que pensei que talvez aquela fosse uma boa hora pra lhe contar o que realmente havia acontecido em 2011, o motivo pelo qual eu tinha ido pro Brasil. Contei.

Ela demorou alguns dias pra me responder e a resposta dela foi protocolar. Disse que ela sentia muito por tudo mas o que eu havia feito era imperdoável e não havia maneira de nós sermos amigos novamente ou termos qualquer tipo de relação por motivos dela ter sido muito traumatizada por tudo que eu fiz.
Recapitulando o que eu fiz: eu fiquei doente, tive que ir pro Brasil me tratar para não morrer e quando cheguei lá elas tramaram para me tirar da banda e não me pagar o que a banda me devia e ghost on me de forma tão pesada que me fizeram enlouquecer e eu ainda acabei com fama de louco, de macho escroto e filho da puta. Tipo, calm down Beyoncé. Tem uma grande diferença entre sermos amigo e termos negócios em comum. Gostaria de te lembrar que enquanto vocês insistirem em continuar com o CSS nós sempre vamos ter uma relação. Vocês tocam a MINHA OBRA. Se vocês insistirem em me ignorar e ainda assim tocar minha obra a relação que nós temos é de abuso e crime. Querida, vocês tocam as músicas que são minhas. Pra piorar a história, tocam essas músicas nos shows acompanhadas por mim virtualmente nos backing tracks. Vocês tocam acompanhando a minha performance. Isso é patético. Vocês me fizeram sair da banda quando eu estava doente, achando que ia morrer. Por um ano durante a turnê eu estive doente, eu parei de beber, você se lembra? Lembra que eu não bebia, que eu dormia cedo? E vocês dizendo que eu estava CHATO. Querida, eu estava com medo de morrer. Você tem muita coragem de falar “não tem maneira de termos qualquer tipo de relação”. Corajosa. Delusional. E só mostra que ao se “esquecer” de que as músicas que elas insistem em tocar são de minha autoria e ainda por cima tocam acompanhadas por mim nos shows, para elas todas, música é e sempre foi só um detalhe. Elas acham que eu deixei de existir.

Mas falando sério, o que eu havia feito que a traumatizou tanto?
Será que foi o fato de eu ter escrito um post no meu blog contando que ela se preocupava mais em fazer riders dignos do Guns’n’Roses pra nossos shows pequenos do que em pensar em como poderíamos gastar menos dinheiro transportando equipamento obsoleto? Ou será que foi quando eu escrevi que ela tinha obsessão por baldes de gelo e tratava mal nossos tour managers quando não havia um no camarim? Ou ainda foi porque depois de tentar de todas as formas sair da banda de forma justa mas ter sido manipulado e abusado eu ter me descontrolado e escrito emails a xingando pois me encontrava cego e sem dinheiro pra pagar pela cirurgia? Foi isso que eu fiz? Que eu falei que ela não sabia tocar? E isso destruiu a vida dela? Acabou com o sonho de artista dela e ela teve que fazer terapia pra entender que ela realmente não era uma musicista muito boa? Que eu tornei a vida dela um inferno por eu não ter colocado seu nome de compositora das músicas mesmo ela não tendo composto nada? Ou será que foi por eu ter ousado contar a verdade a respeito da dinâmica da criação artística da banda, desconstruindo a percepção de que elas tinham algum input criativo? Mistérios.

Sinceramente, eu não entendo. Eu fui escroto, fui. Mas eu fui horrível depois que elas me abusaram, me privaram do que era meu por direito e esfregaram na minha cara que eu não podia fazer nada num momento que eu estava fragilizado e doente. Dizer que não sabiam da situação grave pela qual eu passava não torna as coisas menos cruéis afinal de contas eu me ausentei da turnê para ir ao médico no Brasil e isso sempre foi uma coisa bem clara para todos. Demorou anos até elas devolverem meus baixos e pedais. Elas foram diabólicas comigo. E ainda são.

Em novembro de 2019 chegou a chance de talvez eu conseguir expurgar a bola de cabelo ao assistir um show das quatro fantasmas que tanto me assombravam tocando minhas músicas acompanhadas por mim e me sentir adulto e bem resolvido. Quando mandei o email falando sobre o show em SP, eu sinceramente só esperava olhar elas no rosto e, de repente, ver algum traço de humanidade nelas. “É, elas eram gente mesmo”. Como aconteceu quando encontrei com a Lovefoxxx aquela tarde na praça Buenos Aires.
Mas ninguém me respondeu o email. Fiquei realmente em choque, no fundo eu ainda tinha alguma esperança de que elas fossem humanas comigo. Podiam ter escrito tipo “não vá ao show, não queremos te ver, foda-se”. Mas não. Me anularam de novo. E essa hora o silêncio delas foi só mais um tanto de abuso psicológico nesse penico cheio de merda, a bola de cabelo subiu e quase me sufocou. De repente lá estava eu em SP, um lugar que eu detesto e pro qual eu nunca deveria ter voltado a morar em 2011, passando 5 semanas que mais pareciam 5 anos mergulhado naquela fossa sanitária de patricinhas tóxicas da FAAP pagando de artistas e progressistas e visionárias e heroínas e ecologistas se gabando de um show cujas músicas saíram do fundo da minha alma e ainda por cima tocando acompanhadas de mim nas bases, se recusando a responder um email que objetivamente pedia um ingresso pra ver o show e quiçá um encontro onde fosse melhor para elas. Foi horrível. Horroroso, um espanto, me fez mal.

Foi horrível estar no Brasil nessa época do show. Toda hora pessoas que eu nem conhecia direito me mandavam pelo chat do Instagram prints de “minas feministas” me xingando em grupos do facebook e no twitter. “Elas tiraram o macho escroto e agora a banda está perfeita”. “O macho escroto se fudeu”. Pois, eu, o provedor da matéria prima artística motivo pelo qual elas existiam, era um “macho escroto”. Eu fiquei tão deprimido que chamei uma dessas meninas que estava me xingando e conversei com ela, contei tudo que havia acontecido. “Em 2011 aconteceu isso e depois isso e depois isso, eu descobri que tinha isso e elas me trataram assim, assim e assado”. A menina me pediu desculpas e apagou a conta do twitter. Depois voltou e mandou um textão contando como a internet é um lugar horrível que faz as pessoas agirem de forma horrível sem se dar conta de que podem estar machucando os outros. Millenialsplaining que chama?

Ter ignorado meu pedido pra assistir ao show talvez tenha sido a gota d´água. Eu fingi que levei na boa o fato de ter sido sumariamente ignorado e pedi um ingresso pro festival pro organizador pelo Twitter. “Será que é muita humilhação pedir pro Lúcio Ribeiro (marquei a arroba dele no tweet) um ingresso pro show do CSS pra ver elas tocando minhas músicas?” Ele prontamente respondeu e me deu o ingresso. Uma jornalista do UOL viu e me entrevistou. Eu disse que tinha saudades delas, que ia ser lindo ver esse show e eu tinha certeza de que ia ser um show lindo. A síndrome de Estocolmo deu a mão pra Poliana e foram felizes para sempre. Mas a verdade é que eu queria que caísse um raio no palco e as carbonizasse ao vivo pela internet.

No fim não tive forças pra ir ao show. Eu estava realmente realmente muito triste, com vontade de me matar de novo. Elas conseguiram me jogar mais uma vez no pior lugar que eu já estive e deviam estar bem satisfeitas com isso. Elas são pessoas horrorosas.

Assisti o show pelo streaming do UOL, foi patético. Luiza Sá não sabe tocar baixo. A Ana ainda parece que quer aparecer mais que a Lovefoxxx e toca teclado com um mão só acompanhando linhas que estão na base que eu toquei. A Carol tava lá. A Lovefoxxx tava linda, ela realmente tem um magnetismo que faz as coisas acontecerem. Desafinada, bastante, nenhuma novidade. Mas quem quer afinação que assista The Voice.
No telão, muita militância. MST, Lula, Bolsonaro vai tomar no cu. Feminismo. Ecologia. Tudo com a trilha sonora das músicas que eu fiz numa época que eu era muito feliz. E lá estava eu virtualmente no palco com elas usando meus backing tracks que elas podem provar que são delas pois me forçaram a assinar um distrato quando eu estava bem louco de remédio. Pra mim foi como se pisoteassem meu cadáver.

O ápice do show foi a última música, Superafim. Uma música composta por mim, pelo Carlos Dias e pela Clara Lima. E que elas sequer tinham permissão para tocar, assim como não tinham para todas as outras.

Voltando lá pro começo do texto, sábado passado. A Clara Lima foi quem fez a bola de cabelo reviver. Nesse dia as demos do CSS ficaram disponíveis nos streamings. Até reabri meu Instagram pra divulgar. Escolhi fotos de 2004, quando gravamos aquelas músicas. Pus fotos da Ira, da Maria Helena e da Clara. Clara me ligou e me contou que ela não estava bem. Que desde sua saída conturbada do CSS (que vai valer outro texto) sua vida virou de cabeça para baixo. Que ela ficou tão traumatizada com a forma com que todos nós a tratamos que ela foi morar nos EUA e foi trabalhar de garçonete e tinha medo de que alguém descobrisse que ela tinha feito parte do CSS. Ficou com raiva de trabalhar com moda, quis morrer. E que em novembro, quando soube do show, ela havia pedido pra Luiza Sá um ingresso mas ouviu de sua “amiga” que ela, Clara, não tinha nada o que fazer lá, que elas não tinham ingresso pra dar. “O que você quer? Dinheiro?” Então Clara disse a Luíza que queria o telefone da Lovefoxxx para conversar mas ouviu um “mande um email”.
No fim do show, no ponto alto do mesmo, cantaram a música dela. Quem acompanhou a banda desde o começo sabe que Superafim sempre era o gran finale dos shows, era o momento da Clara, que dividia os vocais de todas as músicas com a Lovefoxxx sempre meio em segundo plano. Superafim teve um papel importantíssimo na carreira do CSS, foi o grande hit no Brasil que deu a projeção viral que fez a banda ficar conhecida. Mas elas nem sequer falaram o nome da Clara. “Olha, essa música era a Clara que cantava. Foi a Clara que inventou isso de Superafim”. Nada. Ingratidão? Mau caratismo? Falta de educação? Cade a empatia que elas tanto apregoam?
É como se eu, a Clara, a Ira e a Maria Helena nunca tivéssemos existido. E minhas músicas e a música que fiz com a Clara e o Carlinhos que elas tocaram na apoteose do show fossem um mero detalhe para a genialidade que significa a existência delas. They own it all.
Mas estão muito traumatizadas para me responder um email. Mas não o suficiente para subir num palco, tocar músicas que eu compus acompanhadas por mim. Hipocrisia que chama?

Como é que essas pessoas tão progressistas, corretas, empáticas, que dão entrevistas e falam tudo o que todo mundo quer ouvir, podem ser tão mesquinhas, escrotas e maldosas? Elas nos devem satisfações, um pedido de desculpas, uma resposta que seja. Até quando vão se esconder atrás do silencio? Elas têm que falar sobre isso de forma adulta e honesta conosco. Elas não podem continuar a agir como se elas fossem algum tipo de vítima nessa história. Isso é revoltante, isso é desonesto, isso é escroto, inaceitável e isso, num mundo ideal, as desautorizaria a ter qualquer tipo de atenção. Elas seriam sumariamente canceladas por motivos inquestionáveis.
Isso me deixou doente. Isso deixou a Clara doente. Isso deixou a Ira doente, a Maria Helena doente. Eu posso alguns dias conseguir não pensar sobre isso mas queria ter uma forma de quando pensasse sobre isso, não ficar doente.

Ninguém pediu pra elas ingresso VIP com acesso ao camarim. Eu inclusive disse que caso elas se sentissem desconfortáveis que eu não fazia questão alguma de encontrá-las no dia do show (ou encontrá-las at all). Eu só queria ver o show no qual elas iam tocar músicas que eu compus. Encontrar, só se quisessem. Mas o trauma que elas alegam ter de mim é muito grande pra me encontrar. Só não é grande pra tocar minhas músicas acompanhadas por mim nos backing tracks. Hipócritas.

De novo: isso é inaceitável.

Ontem sonhei com elas. Eu estava em SP e havia um show do CSS e eu e a Clara não fomos convidados. Compramos um ingresso e fomos ao show. Estávamos bem na frente do palco e Carolina ficava nos olhando muito feio, nos mandando embora. Nisso Lovefoxxx chama a Ira, que entra pra tocar Let’s Make Love, todas se abraçam e discursam sobre amizade e como o amor é importante. Eu começo a chorar, eu não mereço nada disso. Acordei chorando e desta vez foi de raiva. Não consegui mais dormir e resolvi acabar esse texto. Eu não aguento mais isso.

Agora talvez eu possa escrever sobre outras coisas. E quem sabe, esse macho escroto possa cuspir de uma vez por todas essa bola de cabelo de abuso e humilhação. Chega.

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Adriano Cintra

Nasci em 21 de maio de 74. Faço música desde que comecei a tocar piano com oito anos. Já tive algumas bandas, alguns empregos, alguns namorados e alguns blogs.